Classificação da Obesidade: Relevância para a prática clínica 994

Por Marta P. Silvestre, Professora Auxiliar NOVA Medical School (NMS), Universidade NOVA de Lisboa e Nutricionista (especialista clínica, 3696N) na Unidade da Medicina dos Estilos de vida NMS & CUF

 

Uma comissão de peritos propôs, recentemente, um novo critério de diagnóstico para a obesidade clínica versus não clínica, publicado no início deste ano (janeiro 2025) na revista Lancet Diabetes & Endocrinology, com o título “Definition and diagnostic criteria of clinical obesity” [i]. O artigo aborda uma questão central e complexa: como definir e diagnosticar a obesidade de forma clinicamente relevante, ou seja, com precisão e aplicabilidade.

A obesidade, reconhecida como um importante problema de saúde pública global, tem sido tradicionalmente avaliada através do Índice de Massa Corporal (IMC). No entanto, este critério de diagnóstico apresenta limitações significativas, nomeadamente a incapacidade de distinguir entre massa gorda e massa magra, bem como a sua fraca correlação com a distribuição da adiposidade e risco metabólico associado.

Este artigo propõe um novo conjunto de critérios diagnóstico, com o objetivo de refinar a definição de obesidade clínica e melhorar a identificação de indivíduos com risco cardiometabólico. Com recurso a uma revisão sistemática da literatura, os autores elaboraram um conjunto de critérios de diagnóstico para a obesidade clínica.

A abordagem envolveu a avaliação de múltiplos fatores, incluindo: antropometria; avaliação da composição corporal (incluindo a distribuição da adiposidade); função metabólica e comorbilidades. Com base nesta avaliação abrangente, os autores propuseram um sistema de classificação que divide a obesidade em diferentes graus de gravidade e risco, com o objetivo de orientar as decisões clínicas e terapêuticas assim como de reduzir o estigma social. Desta forma, o artigo fornece um quadro de referência para a avaliação da obesidade na prática clínica, permitindo direcionar as estratégias de prevenção e terapêutica de forma personalizada e mais eficaz. Apesar disso, esta abordagem apresenta alguns desafios.

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Primeiro, com base na nova definição, o diagnóstico de obesidade requer medidas antropométricas adicionais e avaliação da composição corporal, com foco na distribuição da gordura. No entanto, nem sempre estão disponíveis os recursos (e tempo) necessários para concretizar esta avaliação (exemplo: equipamentos de avaliação da composição corporal como DeXA ou Bioimpedância multifrequência), sobretudo nos cuidados de saúde primários – o primeiro ponto de contacto com a pessoa com obesidade, no contexto dos quais o diagnóstico deveria ser realizado.

Por outro lado, um IMC elevado está fortemente correlacionado com adiposidade elevada e obesidade abdominal, na população, de forma geral. Dados recentes de indivíduos adultos, naturais dos Estados Unidos da América, sugerem que quase todos os apresentam um diagnóstico de obesidade baseada no IMC estão confirmados como tendo obesidade com base em critérios de adiposidade.

Segundo, indivíduos com IMC elevado frequentemente exibem manifestações metabólicas ou clínicas; por exemplo, apenas 10% dos que foram classificados como obesos pelo IMC no National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) III não apresentavam qualquer componente da síndrome metabólica. Além disso, a consequência a longo prazo da classificação da obesidade em obesidade pré-clínica e obesidade clínica em termos de risco de doença cardiometabólica (exemplo: doença cardiovascular e diabetes tipo 2) permanece desconhecida. Ambos os grupos de obesidade pré-clínica e clínica podem abrigar subgrupos com risco cardiometabólico substancialmente diferente e diferentes requisitos e objetivos de intervenção (sobre- ou subdiagnóstico).

Mais ainda, é importante considerar os diferentes grupos populacionais, em termos de etnia, idade, etc, nos quais os critérios propostos devem ser devidamente validados.

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Apesar das limitações, o artigo é uma contribuição valiosa para a área da obesidade, estimulando a reflexão crítica e a investigação futura, sobretudo ao nível da distribuição da adiposidade. É essencial que os profissionais de saúde, incluindo os nutricionistas, considerem estes critérios no contexto da sua prática clínica, adaptando-os às necessidades e características individuais de cada paciente/utente/cliente. O objetivo é o de melhorar a precisão do diagnóstico, otimizar as estratégias de prevenção e tratamento e promover a saúde e o bem-estar das pessoas com obesidade.

 

[i] Rubino F, Cummings DE, Eckel RH,et al. Definition and diagnostic criteria of clinical obesity. Lancet Diabetes Endocrinol. 2025 Mar;13(3):221-262. doi: 10.1016/S2213-8587(24)00316-4. Epub 2025 Jan 14. Erratum in: Lancet Diabetes Endocrinol. 2025 Mar;13(3):e6. doi: 10.1016/S2213-8587(25)00006-3. PMID: 39824205; PMCID: PMC11870235.