Nutrição e Saúde Mental: o papel do eixo microbiota-intestino-cérebro 612

Por Gabriela Ribeiro, MSc, PhD; Professora Auxiliar Convidada Metabolismo e Nutrição; NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, NMS, FCM, Universidade NOVA de Lisboa.

 

A ligação entre a alimentação e a saúde mental é cada vez mais reconhecida como uma área estratégica de intervenção para profissionais de saúde, especialmente os que atuam em nutrição. Longe de ser uma relação simples ou unidirecional, o elo entre o que comemos e como nos sentimos envolve mecanismos fisiológicos, comportamentais e ambientais altamente interligados.

Doenças mentais e risco metabólico: uma convergência preocupante

Pessoas com diagnóstico de perturbações psiquiátricas — como depressão, perturbações da ansiedade, perturbação bipolar ou esquizofrenia — apresentam uma probabilidade significativamente aumentada de desenvolver comorbilidades metabólicas, como obesidade, diabetes tipo 2 ou síndrome metabólica. Este risco advém não apenas de predisposições genéticas partilhadas entre doenças mentais e doenças cardio-metabólicas, mas também de fatores socioeconómicos e comportamentais adversos — entre eles, padrões alimentares pouco protetores, baixa atividade física, alterações do sono e alterações do apetite. Assim, a vulnerabilidade nutricional torna-se mais acentuada em populações com perturbações psiquiátricas, o que reforça a necessidade de uma abordagem nutricional integrada no cuidado em saúde mental.

Microbiota intestinal: um mediador promissor

Nos últimos anos, o chamado eixo microbiota-intestino-cérebro tem ganho destaque como um canal de comunicação bidirecional entre o sistema gastrointestinal e o sistema nervoso central. As bactérias intestinais não só metabolizam componentes da dieta, como também produzem moléculas sinalizadoras (como ácidos gordos de cadeia curta, neurotransmissores ou metabolitos inflamatórios) que modulam a função cerebral, afetando estados emocionais como o humor e a ansiedade.

Estudos têm identificado padrões disbióticos — ou seja, desequilíbrios na composição da microbiota intestinal — associados a diversas doenças psiquiátricas. Em geral, observa-se uma redução na diversidade microbiana, perda de espécies protetoras e aumento de microrganismos potencialmente pró-inflamatórios.

Dieta como modulador do eixo microbiota-cérebro

A alimentação desempenha um papel central na modelação do ecossistema intestinal. Dietas ricas em fibra, compostos fenólicos, prebióticos e alimentos fermentados promovem a biodiversidade da microbiota e favorecem um perfil anti-inflamatório.

Programar in útero – Como enfrentar os desafios de cuidar do estado nutricional ainda antes do ‘ser’?

Com base nessa premissa, alguns estudos testaram intervenções dietéticas — como a dieta mediterrânica — em indivíduos com depressão major. Os resultados são encorajadores: participantes que integraram programas de intervenção alimentar estruturados, supervisionados por nutricionistas, em simultâneo com o tratamento farmacológico habitual, registaram melhorias significativas nos sintomas depressivos.

O que pode (e deve) fazer o nutricionista?

Embora ainda estejamos a compreender melhor os mecanismos exatos através dos quais a dieta influencia a saúde mental — e o papel específico da microbiota nessa mediação — a evidência disponível já permite fundamentar a intervenção nutricional em contexto clínico.

Para os nutricionistas, isto significa não apenas avaliar o estado nutricional, mas também considerar fatores psicossociais e identificar grupos de maior vulnerabilidade. Estratégias alimentares personalizadas, orientadas para a promoção da saúde intestinal e da saúde mental, são hoje uma frente terapêutica promissora e cada vez mais reconhecida cientificamente.