
Por Inês Barreiros Mota, Nutricionista (3718N) e Técnica Superior NMS-UNL.
No mês de abril, o British Medical Journal (BMJ) publicou um artigo de opinião sobre os desafios que existem atualmente no desenvolvimento de recomendações nutricionais para melhorar a saúde da prole na gravidez – um tema de particular relevância quando falamos em promover a saúde das gerações futuras.
Está amplamente documentado que o estado nutricional da gestante influencia profundamente o desenvolvimento celular e molecular do feto. A ciência tem vindo a aprofundar o conhecimento sobre genética e epigenética fetal, demonstrando como a dieta materna interage com a expressão genética do feto, por alterações nos padrões de modificação de histonas e metilação do ADN, moldando o seu estado de saúde metabólica, por interação com células β pancreáticas e pré-adipocitos, influenciando o risco futuro de doenças como diabetes, obesidade e patologias cardiovasculares.
Estas descobertas são especialmente relevantes numa era em que muitos países enfrentam graves desafios nutricionais, sobretudo em contextos socioeconómicos vulneráveis. No entanto, apesar dos avanços científicos, ainda existe uma lacuna significativa entre o conhecimento e a prática clínica: as recomendações nutricionais atuais são, por vezes, demasiado genéricas e insuficientes para responder às necessidades reais.
Medidas como a suplementação com ácido fólico durante a gravidez têm-se revelado eficazes na prevenção de malformações como a espinha bífida. Noutras regiões, no sudeste asiático e partes de África, recomendações como o uso de sal iodado e a suplementação com iodo têm sido essenciais para combater carências nutricionais maternas que afetam mielinização cerebral e, consequentemente, o neurodesenvolvimento fetal. Contudo, se compararmos a correção de deficiências de micronutrientes pode parecer relativamente simples, face à modificação de padrões alimentares, que representam um desafio bem mais exigente e que é preciso abraçar.
O artigo do BMJ sublinha também a importância de intervir antes mesmo da gravidez. Já se intuía, há anos, que a nossa saúde podia ser influenciada pelo estilo de vida e hábitos alimentares das nossas avós — mas os esforços concretos continuam a incidir, sobretudo, na primeira geração e com foco apenas na mulher. A realidade é que ainda se intervém pouco a nível familiar e, frequentemente, o pai nem sequer é incluído neste processo, e é a família o principal determinante do ambiente de desenvolvimentos nos primeiros dias, meses e anos de de vida.
Mercúrio na infância: O equilíbrio entre nutrição e segurança alimentar
É fundamental reconhecer que diferentes contextos socioculturais requerem abordagens distintas. Em alguns países, a restrição energética, o défice de micronutrientes, as alterações climáticas e a falta de acesso a cuidados de saúde são obstáculos adicionais à promoção de um estado nutricional adequado. Em contrapartida, noutros contextos, o problema encontra-se no extremo oposto: a obesidade entre mulheres em idade fértil tem vindo a crescer a nível global, estimando-se que cerca de 20% das grávidas vivam com obesidade. Este fator, aliado ao ganho de peso excessivo na gestação e ao sedentarismo, contribui significativamente para o aumento do risco cardiometabólico na descendência.
Embora o aleitamento materno possa exercer um efeito protetor, pelo seu teor de oligosacríderos ou microRNAs, a sua eficácia depende da qualidade nutricional do leite, que é, por sua vez, determinada pela dieta materna. Ainda há um caminho a percorrer no que toca ao apoio efetivo à amamentação por parte dos profissionais de saúde, desde a gravidez até ao pós-parto.
Para conseguirmos enfrantar melhor estes desafios, torna-se urgente investir em políticas públicas específicas: para apoiar a investigação nesta população tão específica e ao mesmo tempo tão importante, e que possam ser feitos estudos de longo prazo avaliando os impactos que existem ao longo do desenvolvimento, até à adolescênci ou mais tarde; para promover estratégias mais eficazes que perimitam a translação dos avanços científicos e que se concretizem em benefícios reais para a saúde das populações, como sejam priorizar intervenções que considerem as necessidades culturais e socioeconómicas de cada comunidade e que envolvam e priorizem a família como um todo.