O microbiota na agenda de 2018 2032

Em 2018, o microbiota intestinal foi um dos tópicos com maior relevância em medicina e na investigação científica, o que se percebe pelo número de publicações que atingiu – 4900 – o que traduz o valor mais alto das últimas duas décadas.

Assim, o destaque foi para:

1. Papel do microbiota nos primeiros dias de vida. Aqui, os resultados de três estudos longitudinais foram cruciais, provando que o microbiota nos primeiros dias de vida é um biomarcador determinante para, por exemplo, risco de diabetes tipo 1, mais tarde na infância. Estes factos relevam ainda mais que os genes bacterianos relacionados com a síntese de ácidos gordos de cadeia curta, por exemplo, são mais importantes do que valores relativos de grupos de bactérias como preditores para o desenvolvimento de doença autoimune e/ou metabólica mais tarde na infância.

2. Papel da dieta e de fármacos no microbiota intestinal. O padrão alimentar e os xenobioticos, como factores ambientais com maior impacto no microbiota. Mais importante do que estudar os micronutrientes isolados, este foi o ano de estudar o papel de macronutrientes (ex. acidos gordos omega 3), micronutrientes e aditivos alimentares em contexto de padrões alimentares/estilos de vida. Daqui a salientar o papel das fibras fermentáveis como protetoras e importantes do padrão alimentar Mediterrânico. Assim, mais importante do que a classificação de acordo com a solubilidade, estará o conhecimento do tipo de produtos de fermentação bacteriana a que as “fibras” darão origem.

Mais ainda, para além dos antibióticos sabe-se hoje que fármacos como os inibidores das bombas de protões, metformina, antipsicoticos, por exemplo, têm efeitos diretos no microbiota intestinal, podendo potencialmente contribuir também para a multiresistência a antibióticos, sintomatologia gastrointestinal, entre outros efeitos secundários.

Dos metabolitos do microbiota a que se dá particular relevância, os ácidos gordos de cadeia curta, os ácidos biliares secundários/primários, e os metabolitos do triptofano são os 3 que ocupam os primeiros lugares.

O destaque mais recente vai para a importância do metabolismo intestinal do triptofano.

O triptofano é um aminoácido essencial, presente em proteínas do chocolate, banana, leite, entre outros alimentos. No intestino, pode seguir três destinos (além da sua biodisponibilidade): (i) conversão intestinal em serotonina (células enterocromafins) via hidroxílase do triptofano tipo 1, TpH1 (cerca de 90% da serotonina em circulação tem origem no intestino; a síntese central ocorre via TpH2); (ii) síntese intestinal da quinurenina via 2,3-dioxigenase de indolamina tipo 1, IDO1 (o microbiota intestinal influência esta síntese modulando a expressão de IDO1), com posteriores sínteses de ácido quinurénico ou niacina; (iii) substracto do microbiota para a síntese de metabolitos indolicos tais como o indole-3-sulfato por ação de bactérias que expressam a triptofanase (indol-líase do triptofano).

No fígado, o indol pode ser conjugado com o sulfato e originar o indol-3-sulfato, ligando de AhR (aryl hydrocarbon receptor).

A microglia, com perfil inflamatório, vai condicionar quer astrocitos, quer neurónios.

Ao nível do sistema nervoso central, particularmente zonas como hipocampo e hipotálamo, os metabolitos indolicos como o indol-3-sulfato exercem um papel neuroprotetor e anti-inflamatório enquanto agonistas do AhR presentes na microglia. Sabendo-se que a obesidade se associa a uma disbiose, e que esta se associa a uma sintomatologia depressiva, com a neuroinflamação como mecanismo molecular da doença em destaque, surge a importância de intervenções alimentares capazes de reverterem a situação. Sabe-se que a presença de inulina na dieta é capaz de promover o crescimento de bactérias que expressam a enzima triptofanase, que na presença de triptofano da dieta, podemos ter a síntese de metabolitos potencialmente anti-neuroinflamatórios.

Espera-se um novo ano com mais evidências capazes de sustentar intervenções terapêuticas na obesidade e nos sintomas depressivos relacionados tendo como alvo o microbiota intestinal.

Conceição Calhau,

Professora Associada com Agregação, Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School, UNL

Coordenadora do grupo de investigação Medicina Preventiva & Desafios Societais, ProNutri, CINTESIS.

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