Ingestão de carne, o excesso e a insustentabilidade 901

“O consumo atual de carne é insustentável para o planeta”. Esta é a premissa que bastará para chamar a atenção de alguns, não será suficiente para muitos outros, que a pensar em alternativas já começaram a produzir carne em laboratório. Há muito a dizer sobre este aspeto, em termos de desafios para o planeta. Mas passemos à premissa seguinte.

“O consumo atual é superior ao recomendado para uma alimentação saudável”. Existe uma ferramenta construída para orientar a população portuguesa naquelas que deveriam ser as suas escolhas alimentares saudáveis ao longo do dia. Este guia alimentar nacional- A nova roda dos alimentos- preconiza a ingestão de 1,5 a 4,5 doses diárias de alimentos do grupo carne, pescado e ovos.

Convém esclarecer que uma dose são 25 g de carne ou peixe cozinhado. Isto significa que mesmo para a população saudável com maiores necessidades energéticas, o máximo recomendado são 112,5 g.  Para quem não é da área e nunca teve oportunidade de refletir sobre estas quantidades talvez fique surpreendido quando o fizer. E estamos a falar de máximos diários. Se pensarmos em duas refeições, será menos de 60 g por refeição.

O Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, cujos dados foram recentemente divulgados, mostra claramente que a população portuguesa excede a quantidade diária ingerida de alimentos deste grupo. Um cidadão português consome em média 237 g de alimentos do grupo carne, pescado e ovos, ou seja, mais do dobro do limite superior recomendado.

Parece haver também ainda alguma confusão quanto às fontes proteicas alternativas e à necessidade de proteína animal, cabendo aos profissionais de saúde desmistificar alguns destes conceitos à luz da evidência científica existente.

Não significa isto que o consumo de carne, peixe e derivados deva ser abolido por completo, embora essa possa ser uma das opções. Significa sim, que pode haver alternativas ao padrão alimentar atual. A recente aprovação da lei nº11/2017 que estabelece a obrigatoriedade de opções vegetarianas nas ementas das cantinas e refeitórios públicos reflete um progresso neste percurso.

Regimes alimentares à base de plantas têm mostrado benefícios na prevenção e tratamento de diversas doenças crónicas, entre elas as doenças cardiovasculares, principal causa de morte no nosso país. E mesmo para os subgrupos mais preocupados com a ingestão proteica, como os desportistas, é perfeitamente possível obter a ingestão necessária sem recurso a proteína animal. Assegurando o aporte adequado de alguns micronutrientes e considerando, em particular, a questão da vitamina B12. Em opções alimentares com exclusão total de qualquer produto de origem animal, para além da vitamina B12, deve ser dada também especial atenção à ingestão ácidos gordos ómega 3 (EPA e DHA). Sobre a questão da ingestão de ferro, o vegetariano passa a ter uma adaptação fisiológica, com maior absorção intestinal, mas ainda assim deve associar as fontes vegetais de ferro com fontes de vitamina C.

Na verdade, as preocupações com deficiências nutricionais não são exclusivas dos vegetarianos, uma vez que, de acordo com o Inquérito Alimentar Nacional a população portuguesa apresenta padrões de consumo com deficiências várias.

A escolha ainda que pontual de pratos vegetarianos e a redução do consumo de carne, pescado e ovos, pelo menos, para os valores recomendados, traria benefícios quer para o indivíduo quer para a sustentabilidade do planeta.

Manuela Meireles,
Investigadora do ProNutri, CINTESIS
Professora Adjunta convidada da ESSUAlg

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