O ano de 2021 ainda fica marcado pela nova doença, a pandemia, a COVID-19! E diria também pelo microbiota intestinal… 1486

A investigação científica internacional nos últimos 15 anos tem-se focado na relação do microbiota intestinal com a doença metabólica.

Em 2020 o nosso grupo de investigação foi o primeiro a nível internacional a registar um estudo clínico em doentes com COVID-19 para investigar o microbiota intestinal como marcador de prognóstico (ClinicalTrials.gov NCT04355741). O estudo foi publicado na revista Frontiers in Microbiology em 2021. Até à data, o nosso estudo, assim como três estudos liderados por investigadores do Japão reforçam a importância do microbiota intestinal na vulnerabilidade à COVID-19. A importante conclusão a retirar é a de que ter menos diversidade é um fator de risco para quadros mais severos da doença. Este resultado põe de novo o foco na atenção aos estilos de vida sobre o microbiota intestinal, entre eles a alimentação, claramente na base da prevenção de muitas das doenças da atualidade e, no caso da COVID-19, ser decisivo para ao ‘azar’ do contágio, o azar de desenvolver doença mais severa. A importância internacional dos nossos resultados é a de poder contribuir para estratégias de lidar com a pandemia, cuidando do seu microbiota intestinal, entre outros fatores modificáveis, além da vacina, claro.

Para fechar o ano na ciência internacional com investigação sobre a relação do microbiota intestinal e a doença metabólica, mais resultados surpreendentes, neste caso sobre o ganho de peso e a cessação tabágica!

Hábitos tabágicos e hábitos alimentares são dois dos fatores de risco para as doenças que mais afetam a população mundial, modificáveis, ou seja, preveníveis.

Mais ainda, o ganho de peso em ex-fumadores continua um problema de difícil abordagem, e também muitas vezes a razão para os fumadores não deixarem o tabaco.

Um estudo recente, publicado na revista Nature, mais um do grupo coordenado pelo investigador médico, Eran Elinav, do Weizmann Institute of Science, Israel, avança com resultados promissores em que o microbiota intestinal estará envolvido no ganho de peso associado à cessação tabágica. Estes achados ajudam a identificar um novo alvo terapêutico para o ganho de peso nos fumadores que pretendem deixar de fumar.

Sabemos que o tabaco é responsável por mais de seis milhões de mortes por ano. Apesar da população estar sensibilizada para este facto e, apesar da expressa vontade de muitos dos fumadores para deixarem de fumar, o receio do ganho de peso no período após a cessação, justifica que seja difícil deixarem o hábito tabágico.

Os resultados do estudo não só reforçam a estreita ligação entre microbiota intestinal e regulação do peso corporal, como identificam metabolitos do microbiota intestinal envolvidos no ganho de peso após a cessação tabágica.

O que o estudo mostra claramente é a diferença na composição do microbiota intestinal quando compara fumadores, não-fumadores e ex-fumadores.

Mais, os estudos realizados pelo grupo, quer no modelo animal, quer no modelo humano, identificam a dimetilglicina e a N-acetilglicina como dois dos metabolitos, bacterianos, envolvidos no ganho de peso. A dimetilglicina apresenta uma associação direta com o ganho de peso, já a N-acetilglicina está inversamente relacionada com o ganho de peso.

O metabolito dimetilglicina, de síntese primeiro bacteriana, a partir da colina, com posterior metabolização hepática, está aumentado nos fumadores e relacionado de forma direta com o ganho de peso. No estudo os investigadores provaram que nos animais mesmo não expostos à nicotina mas com exposição a este metabolito, tinham ganho de peso. Este resultado aponta também para uma manipulação alimentar, em que uma dieta pobre em fontes de colina deve ser uma das estratégias alimentares para a redução do risco do ganho de peso na cessação tabágica.

Pelo contrário, o metabolito N-acetilglicina, quando administrado em animais não expostos à nicotina no período pós-exposição à nicotina.

Ambos os metabolitos provocam alterações ao nível do tecido adiposo, alterando a expressão de genes envolvidos no metabolismo energético, sendo que mais detalhes para estes mecanismos moleculares serão alvo de mais investigação.

Este estudo é certamente um marco nos avanços terapêuticos no ganho de peso após cessação tabágica.

Estes avanços podem ajudar os profissionais de saúde na consulta da cessação tabágica apontando para novas terapias na gestão de peso mesmo em não fumadores e, mais uma vez, a importância do estudo do microbiota intestinal como ajuda na interpretação do quadro clínico e na decisão terapêutica.

Conceição Calhau
Professora Catedrática, NOVA Medical School, Investigadora CINTESIS, RISE e nutricionista.

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