Uma pitada de sal a menos pode salvar muitas vidas 953

Por Maria João Gregório, diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável e docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. 

 

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal. A hipertensão arterial e o consumo excessivo de sal estão entre os principais fatores de risco — e ambos podem ser prevenidos ou controlados. Por este motivo, as estratégias que visam promover a redução do consumo de sal são das mais custo-efetivas para a prevenção da mortalidade e para melhorar o estado de saúde da população. No rescaldo da semana World Salt Awareness Week, é oportuno refletir sobre as abordagens adotadas em Portugal para este desafio de saúde pública.

Em Portugal, mais de 70% da população portuguesa apresenta uma ingestão de sal acima do valor limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – até 5g por dia, tendo sido a ingestão elevada de sódio um dos 5 fatores de risco alimentares que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudáveis e para a mortalidade no ano de 2021.

A OMS tem, consistentemente, alertado para a importância da implementação de medidas que visem reduzir a carga da doença associada às doenças cardiovasculares. A urgência de investir nesta área justifica-se não só pelo contexto epidemiológico, mas também pela existência de intervenções comprovadamente efetivas.

Segundo estimativas feitas para o Reino Unido, reduzir o consumo de sal em 3 gramas por dia poderia evitar cerca de 4.450 mortes por doenças cardiovasculares e poupar cerca de 40 milhões de libras. Existem dados semelhantes para outros países, como por exemplo para a Noruega, onde a redução do consumo de sal pela população para 5 g por dia permitiria alcançar uma redução de 7000 ataques cardíacos e 4500 mortes por enfarte.

Por forma a apoiar os países nesta área, a OMS publicou, em 2020, um pacote de medidas recomendadas aos países para reduzir o consumo de sal, com o objetivo de alcançar uma redução de 30% até 2025. Estas medidas são alinhadas com as “best-buys” da OMS, ou seja, são medidas que apresentam uma relação bastante vantajosa entre o custo de implementação e a sua efetividade. Aqui incluem-se medidas na área da reformulação dos produtos alimentares, orientações para compras públicas saudáveis, taxação dos alimentos, políticas de restrição do marketing de alimentos não saudáveis e a implementação de um sistema de rotulagem nutricional simplificado.

A iodização universal do sal em Portugal: uma discussão para a próxima legislatura?

Em Portugal temos procurado implementar um conjunto alargado de medidas, alinhadas com as recomendações da OMS. Destaca-se o limite legal estabelecido para o teor de sal no pão, aprovado pela Assembleia da República em 2009. O acordo para a reformulação dos produtos alimentares que permitiu reduzir, entre 2018 e 2021, cerca de 11% do teor médio de sal em algumas categorias de alimentos. A definição de orientações para a oferta alimentar em diferentes espaços públicos, como para as escolas e instituições do Serviço Nacional de Saúde, que também contemplam limites máximos para o teor de sal em alguns alimentos e também a restrição de produtos com elevado teor de sal.

Este trabalho permitiu que Portugal obtivesse uma pontuação de 3 num total de 4 pontos possíveis, numa avaliação feita pela OMS no “WHO Global Report on Sodium Intake Reduction”. A pontuação não foi a máxima devido à não implementação de todas as WHO best-buys para a redução do consumo de sal, nomeadamente a rotulagem nutricional simplificada. Esta medida é de particular relevância, já que foi considerada como uma “quick-buy”, isto é, com elevado potencial de impacto a curto prazo (até 5 anos).

Apesar de a política estar a fazer o seu caminho para mudar o contexto e reduzir o sal nos produtos que comemos, grande parte do desafio do consumo de sal em Portugal continua a ser à mesa e na cozinha. Mais de 20% do sal que os portugueses consomem é proveniente do sal de adição, por isso para além das políticas públicas, está na mão de todos nós reduzir o consumo de sal. Temos de ter atenção ao “sal qb” nas receitas, porque uma pitada de sal a menos na hora da preparação dos alimentos pode mesmo salvar muitas vidas.

Por fim, para garantir que as decisões nesta área são as mais adequadas é fundamental investir na recolha regular e rigorosa de dados. Sistemas de informação rigorosos e ágeis — que incluam informação sobre o consumo alimentar e a composição nutricional dos alimentos — são indispensáveis para conhecer a realidade com precisão. Só assim poderemos fundamentar políticas públicas em dados reais e atualizados, e não em meras estimativas.