
Por Maria João Gregório, diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável e docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.
A deficiência de iodo é frequente e uma das prevalentes na região Europeia da Organização Mundial da Saúde (OMS), estando presente em mais de 40% da população. Aliás, a região europeia é a região da OMS que apresenta uma prevalência mais elevada de inadequação deste micronutriente.
O iodo é um oligoelemento com importantes funções no nosso organismo, nomeadamente na síntese das hormonas tiroideias, que exercem múltiplas funções no metabolismo, em particular a nível do crescimento e desenvolvimento de órgãos, como o cérebro, sendo particularmente relevantes em determinadas fases do ciclo de vida – pré-conceção, gravidez e infância. A deficiência de iodo durante a pré-conceção e gravidez pode ter consequências graves, nomeadamente repercussões no neurodesenvolvimento da criança, estando também associada a abortos espontâneos, malformações congénitas e partos prematuros.
Existem outras particularidades relativamente ao iodo. Por exemplo, o facto de existirem poucas fontes alimentares deste micronutriente (principalmente pescado e lacticínios) e de algumas das suas fontes apresentam teores variáveis de iodo, dado que a sua presença nos alimentos depende de múltiplos fatores.
Os dados existentes para a população portuguesa permitem identificar a deficiência de iodo em populações de risco, nomeadamente em grávidas, lactantes e crianças em idade escolar. Dois estudos que analisaram a iodúria reportaram uma elevada prevalência de deficiência de iodo entre as mulheres grávidas portuguesas, com apenas 17% e 9–24% a apresentar uma ingestão adequada de iodo (26). E um estudo transversal realizado no norte de Portugal em crianças em idade escolar (6-12 anos) reportou que 32% das crianças apresentavam níveis inadequados (< 100 μg/L) de iodo.
Para resolver este problema de saúde pública a OMS recomenda a iodização universal do sal, sendo que no ano passado reafirmou a importância desta medida de saúde pública para os países da região europeia, com a publicação do relatório “Prevention and control of iodine deficiency in the WHO European Region – adapting to changes in diet and lifestyle”. Neste relatório, a OMS alerta e revela uma preocupação acrescida para com a inadequação de iodo, tendo em conta algumas alterações que se têm verificado nos padrões de consumo alimentar. Por exemplo, o aumento do número de pessoas que seguem padrões alimentares vegetarianos, e aumento do consumo de alternativas vegetais ao leite e iogurtes.
Sabemos também que é possível compatibilizar esta medida de saúde pública – a iodização universal do sal – com outras medidas que visam promover a redução do consumo de sal na população portuguesa.
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Atualmente, existem algumas medidas de saúde implementadas no nosso país tendo como objetivo reduzir a deficiência de iodo, nomeadamente, a orientação da DGS para a suplementação de iodo em mulheres na pré-conceção, gravidez e amamentação e a obrigatoriedade da utilização de sal iodado nos refeitórios escolares.
Porém, estas medidas não têm muitas vezes a adesão desejada e alguma delas, como por exemplo a suplementação de mulheres na pré-conceção, gravidez e amamentação, são medidas tradicionalmente mais efetivas em determinados grupos da população, nomeadamente nas mulheres seguidas mais assiduamente pelos cuidados de saúde e com mais literacia em saúde. Por estes motivos, são medidas que podem não contribuir para reduzir as desigualdades em saúde já existentes.
Por último, importante referir que esta medida é considerada segura, pois dificilmente permitirá ultrapassar o limite máximo tolerável para a ingestão de iodo e porque os riscos associados à deficiência de iodo são consideravelmente superiores ao risco da inadequação de iodo por excesso, quando se utiliza o sal fortificado como medida de saúde pública. Em todo o caso, se esta medida vier a ser implementada, deverá ser monitorizada e avaliado o seu impacto na adequação de iodo na população.
É tempo de voltar a falar sobre este problema de saúde, que poderia ser resolvido com medidas simples e bastante custo-efetivas.