Vulnerabilidade metabólica na COVID-19: resultados da investigação 2249

Há mais de 1 ano atrás, com a notícia da infeção pelo novo coronavírus na China, pela mortalidade em alguns, pela chegada à Europa, com números alarmantes em Itália e em Espanha e, em Portugal antecipou-se o cenário.

Desde o início da pandemia que as notícias identificavam os mais velhos, os obesos, os hipertensos, os diabéticos, como grupos de risco para, se infetados, apresentarem as formas mais severas da doença covid-19. Da literatura científica, o microbiota intestinal pode estar associado a estas patologias, por induzir um estado de inflamação crónica de baixo grau, entre outros mecanismos, e por isso estar na base das doenças metabólicas, como as encontradas nos grupos de risco. Por outro lado, a vitamina D, uma hormona, tem efeito na regulação do sistema imunitário, da pressão arterial, e a sua deficiência é particularmente comum nos obesos, nos mais idosos, nos hipertensos e também nos diabéticos. Mais curioso ainda, nos países do sul da Europa (onde existem políticas de suplementação da população).

Considerando as evidências da literatura e os factos a que assistíamos no início da pandemia, o nosso grupo de investigação avançou com duas hipóteses científicas: 1) será que o microbiota intestinal é a chave da vulnerabilidade nos indivíduos de risco para maior severidade? 2) será a deficiência de vitamina D um fator comum nos doentes mais severos?

Para responder à pergunta sobre o microbiota intestinal foi desenhado um estudo envolvendo o Centro Hospitalar de S. João (Porto), Hospital S. Francisco Xavier (Lisboa), CUF Infante Santo (Lisboa), Hospital Curry Cabral (Lisboa), Hospital S. Sebastião (Santa Maria da Feira), onde foi possível avaliar o microbiota intestinal e de acordo com o grau de severidade, conforme teria sintomas ligeiros e estava em enfermaria ou em cuidados intensivos. Foi muito claro que o microbiota intestinal apresentava diferenças marcadas entre os grupos de doentes. Existe uma menor diversidade, o que coloca o indivíduo em risco para quadros mais severos da doença. Em doentes mais severos as Proteobacteria estão em maior proporção, as bactérias benéficas, produtoras de butirato, estão em menor proporção, e a razão Firmicutes:Bacteroidetes é menor. Os resultados serão publicados na revista Frontiers in Microbiology. Para o detalhe, pode consultar a versão preprint.

Este estudo teve a nossa liderança com o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e da Biocodex.

Sobre o projeto da vitamina D, e corroborando os pressupostos iniciais, avançamos ainda para uma avaliação do genoma. Sabíamos que a prevalência de um polimorfismo no DHCR7, enzima responsável pela conversão do 7-desidrocolesterol em colesterol, na população do sul da Europa era maior e que, em Portugal era ainda maior. O 7-desidrocolesterol é o precursor da vitamina D presente na derme e na epiderme. A sua síntese tem a mesma via da síntese de colesterol. O polimorfismo estudado traduz-se em maior atividade enzímica, portanto, maior conversão do precursor da vitamina D em colesterol, ficando menos precursor disponível para a síntese de vitamina. Como sabemos, a vitamina D poderá ter síntese na pele, quando o precursor sobre a ação da radiação ultravioleta origina colecalciferol, ou origem na dieta. Na dieta são os laticínios, uma das principais fontes. Lembro que assistimos a uma escolha massiva de produtos sem gordura, e sendo esta vitamina lipossolúvel, teremos menos gordura e menor quantidade de vitamina D. Por outro lado, assistimos ainda a uma evicção ao leite ou, em alguns casos, aos laticínios em geral. O que dificulta ainda mais a obtenção de vitamina D a partir da dieta. Também não somos um país com políticas de suplementação.

Portugal apenas tem orientação para suplementar pessoas com mais de 65 anos. Já no início de 2020, resultados de investigadores Portugueses indicavam que mais de 60% da população apresentava deficiência ou insuficiência de vitamina D. Um tema que estamos sempre a desvalorizar. O nosso estudo envolveu doentes do Hospital Santa Maria (Lisboa) e Hospital de S. João (Porto). Para os doentes que morreram com covid-19, neste estudo, todos tinham valores de vitamina D inferiores a 12 ng/ml! A severidade relacionava-se com o menor nível de vitamina D (doseamento de calcidiol). A relação da vitamina D com a covid-19 foi, entretanto, descrita por muitos outros grupos internacionais, reforçando os nossos resultados. O nosso estudo foi pioneiro ao mostrar que a característica genética de maior atividade da enzima DHCR7 (variante RS12785878), o que se traduz numa maior dificuldade de síntese de vitamina D, mesmo estando exposto ao sol, tem uma prevalência, na população estudada (Portuguesa), superior à descrita na média da Europa (19% versus 10%, respetivamente). Os nossos resultados mostraram uma suscetibilidade genética para quadros mais severos de covid-19 relacionado com o metabolismo da vitamina D. Este estudo foi coordenado pelo Professor Fausto Pinto, da Faculdade de Medicina de Lisboa, envolvendo investigadores da área da genética, da HeartGenetics e a equipa de Nutrição e Metabolismo da NOVA Medical School, entre outros grupos, e encontra-se em preprint.

Juntando os achados dos dois projetos, podemos dizer que tudo se relaciona. O estilo de vida, hábitos alimentares inadequados, consequentemente alterações no microbiota intestinal, e níveis mais baixos de vitamina D. Esta vitamina também fundamental para a integridade epitelial do intestino, afetando o microbiota. Existe uma forte relação quer da vitamina D quer do microbiota na resposta imunitária. Ou seja, tudo está conectado!

Trabalhos internacionais publicados mostram a importância de outros fatores como o selénio, o ferro, o magnésio, o manganês, a vitamina C, a vitamina K, os ómega-3 no quadro severo da covid-19. Não será um só fator, mas todos a contribuírem para a suscetibilidade individual, em conjunto com a genética! Reforçamos a necessidade de personalizar as intervenções sobretudo no cenário pós-covid-19, para a intervir no descrito como ‘COVID longo’.

Conceição Calhau
Professora Catedrática da NOVA Medical School
Investigadora CINTESIS
Coordenadora da Licenciatura Ciências da Nutrição da NOVA Medical School