Real Food? 1765

O nome Carlos Ríos talvez diga pouco à maioria dos portugueses, mesmo os nutricionistas. Mas este nutricionista espanhol é figura conhecida no país vizinho, por causa do movimento real fooding que criou há uns anos. Mas afinal, o que é esta “comida real”? Carlos Ríos diz que o real fooding é “um estilo de vida baseado em comer comida real e evitar os ultraprocessados”, tendo sido inspirado pela sua avó que se queixava de “a comida vendida atualmente nos supermercados parecer falsa”. Ríos acrescenta que aprendeu mais sobre alimentação com a avó do que em quatro anos de curso e que “não comemos comida real, mas sim produtos que nos põem à frente dos olhos”. É fácil entender a atração por este discurso e o eco que tem nas preocupações de muita gente (Ríos tem mais de um milhão e meio de seguidores no Instagram), mas que sentido faz?

À semelhança de outros conceitos, como os superalimentos ou o eat clean, o real fooding é uma combinação de boas intenções (comer de forma mais saudável) e princípios de marketing viral – mensagens simples e fáceis de propagar nas redes sociais com alguma polémica (ou pseudo-polémica) à mistura. A evidência que suporta estes movimentos é, naturalmente, reduzida e os pressupostos em que assentam são frequentemente despropositados ou, pelo menos, descontextualizados. No caso do real fooding explora-se a ideia de uma cabala da indústria alimentar contra os consumidores, sendo frequentes as comparações com o filme Matrix – segundo Ríos, andamos todos iludidos em relação ao que comemos e ele será o Messias que nos salva, revelando a verdadeira comida. E como convencer-nos a não comer bolachas (por exemplo) não parecia ser suficiente, a real fooding é agora uma marca de alimentos (ou um selo, que “valida” produtos de marcas estabelecidas ou cadeias de distribuição), que vende húmus, guacamole e gaspacho, entre outros. No entanto, os consumidores parecem querer mais e por isso a marca “teve” de se expandir para outras gamas. E são precisamente os últimos lançamentos com selo real fooding que estão a gerar polémica no país vizinho: gelados ou croissants integrais, por exemplo, serão “comida de verdade” aos olhos deste discurso mais extremista?

Ríos defende-se dizendo que os seus produtos não têm mais de 5 ingredientes (porquê 5?), mas fazer croissants com farinha integral, azeite (e óleo de karité) e pasta de tâmaras torna-os nutricionalmente recomendáveis? E será a lecitina de girassol presente nos seus gelados algo que a avó de Ríos acrescentasse a uma receita “caseira”, “não processada” de gelado? Por fim, há a questão do preço – o mais recente iogurte líquido natural Real Fooding custa o dobro dos iogurtes equivalentes, mesmo não sendo diferente de outros produtos similares. Todos estes lançamentos lançam a questão se o real fooding não é, afinal, mais uma forma de fazer dinheiro explorando os medos e anseios alimentares de uma fatia cada vez maior da população.

De facto, no espaço de 50 anos passámos de populações subnutridas e com dificuldades no acesso a alimentos, para uma proliferação enorme na oferta alimentar. Os avanços na tecnologia de produção, conservação e distribuição de alimentos tornam possível comer diariamente bananas da Costa Rica ou molho de soja japonês. Uma geração que já cresceu com esta abundância e disponibilidade tem agora outras exigências em relação à comida, muitas vezes sem noção do que custa aquilo que dá por adquirido – querer comida “real” ou “natural”, sem “processamento” significaria muito menos disponibilidade de alimentos, muito menos variedade e preços muito mais altos. O discurso radical anti indústria e anti “processamento” não tem em conta uma série de fatores fundamentais para o acesso às calorias e nutrientes que todos necessitamos diariamente e, seguramente, não é solução para uma alimentação mais saudável. Isto não significa que a produção e oferta alimentar não possa melhorar (sob vários pontos de vista), mas o caminho para mais pessoas comerem melhor não passa por ideias utópicas e produtos “instagramáveis” autoapelidados de  “comida real”.

Rodrigo Abreu
Nutricionista
Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição®

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