Alegações de saúde nos alimentos e os desafios da investigação em nutrição 2964

Nos últimos anos tem vindo a intensificar-se a procura de alimentos que, para além do seu valor nutricional inerente, tenham potenciais benefícios para a saúde. A esse respeito, apesar de não ter uma definição universalmente aceite, o conceito de “alimento funcional” tem sido usado para descrever alimentos para os quais um benefício específico para a saúde foi suportado por evidência científica. Estes benefícios incluem a redução de um risco de doença e a manutenção ou promoção de um estado fisiológico (ótimo). A funcionalidade é promovida por compostos bioativos presentes no alimento funcional através da fortificação ou adição, sendo os ácidos gordos ómega-3, as fibras alimentares, os esteróis e estanóis vegetais, as vitaminas e os minerais os ingredientes mais utilizados na produção de alimentos funcionais.

O processo de desenvolvimento de um novo alimento funcional é um processo com múltiplas etapas, que começa com a identificação de um ingrediente bioativo e, subsequentemente, com a avaliação da sua segurança e/ou eficácia. Qualquer alegação que relacione o consumo de um alimento e a saúde (também conhecida por alegação de saúde) só pode ser autorizada a estar presente no rótulo do produto alimentar se for devidamente suportada por evidência científica. A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) na União Europeia, ou a Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos, são responsáveis por essa avaliação. Por fim, é ainda necessário selecionar uma matriz alimentar adequada, na qual a substância bioativa será incorporada ou enriquecida, tendo também em consideração a sua biodisponibilidade no produto final.

O desenvolvimento de alimentos com efeitos benéficos para a saúde é um processo particularmente exigente no espaço da União Europeia (UE), uma vez que a regulamentação em vigor (Regulamento (CE) n.º 1924/2006) autoriza apenas alegações de saúde em alimentos devidamente suportadas por uma evidência científica sólida. O principal objetivo da regulamentação da UE é garantir que, por um lado, as alegações de saúde não são enganosas, assegurando assim um elevado nível de proteção dos consumidores, promovendo simultaneamente o funcionamento eficaz do mercado interno através de uma legislação harmonizada entre os seus Estados-Membros. Através de um sistema que inclui uma autorização prévia pela Comissão Europeia tendo em consideração o parecer científico da EFSA, a UE pretende estimular a investigação e a inovação da indústria alimentar, mas também garantir a veracidade e a transparência nas alegações ostentadas nos alimentos. O parecer de avaliação científico do Painel dos Produtos Dietéticos, Nutrição e Alergias (NDA) da EFSA abrange três níveis de evidência científica: 1) o alimento ou constituinte alimentar encontra-se devidamente definido e caracterizado; 2) o efeito alegado encontra-se devidamente definido e demonstrou ser um efeito fisiológico benéfico para a saúde humana; e 3) existe evidência científica que demonstre a relação de causalidade entre o consumo do alimento ou constituinte e o efeito alegado. Adicionalmente, o painel NDA/EFSA pronuncia-se sobre o texto que é permitido usar para descrever a alegação de saúde e as condições de utilização (ou restrições de uso), nomeadamente a quantidade do alimento ou constituinte alimentar que será necessário consumir para permitir o efeito alegado na população alvo definida.

Os estudos em humanos são um requisito essencial para a fundamentação científica das alegações de saúde nos alimentos, sendo os estudos controlados e aleatorizados (randomized controlled trials, RCT) a metodologia de referência para o estabelecimento de relações de causalidade. Um exemplo típico de RCT será aleatorizar uma amostra de voluntários em dois grupos (de igual probabilidade), para a) o consumo de um alimento contendo o composto bioativo, versus, b) o consumo de um alimento idêntico sem a adição do composto bioativo (grupo controlo). No entanto, o desenho e a implementação de RCTs é uma tarefa extremamente exigente, com particular complexidade na área da nutrição. Em primeiro lugar, os alimentos ou constituintes alimentares têm uma base natural e não são otimizados industrialmente para aumentar os efeitos da saúde e, portanto, esses efeitos são normalmente inferiores aos dos medicamentos desenvolvidos pela indústria farmacêutica. Além disso, os ingredientes bioativos frequentemente têm de ser incorporados em doses e matrizes alimentares determinados para permitir o melhor equilíbrio entre os efeitos de saúde pretendidos e as propriedades sensoriais desejadas. Em segundo lugar, os RCTs são geralmente realizados em voluntários saudáveis, muitas vezes incluindo indivíduos com elevado risco para uma doença específica. A escolha de indivíduos saudáveis prende-se com o facto das alegações de saúde serem dirigidas à redução do risco de doença ou à manutenção de um estado fisiológico ótimo e não à prevenção ou cura de doença, sendo estas últimas alegações proibidas à luz da regulamentação da UE. Os aspetos previamente enunciados são de particular relevância, e condicionam de forma significativa, quer a dimensão do efeito na saúde (normalmente pequeno), quer o tempo de intervenção necessário (normalmente longos períodos de tempo), para serem relevantes e observáveis. Consequentemente, os efeitos na saúde são de difícil medição, e não raras vezes 1) exigem variáveis de resultados clínicos de substituição ou biomarcadores e 2) os instrumentos de medição existentes apresentam limitações relevantes ou não estão adequadamente validados para a população saudável.

Em conclusão, embora os RCTs sejam considerados a metodologia de referência para estabelecer relações de causa-efeito, a sua relevância para substanciar alegações de saúde depende de um correto desenho de estudo e se os RTCs fortalecem ou colmatam lacunas na evidência científica. Por esse motivo, a investigação na área da nutrição exige a reunião de equipas multidisciplinares que incluam especialistas em áreas diversas como as ciências da nutrição, a epidemiologia, a bioestatística, a bioquímica, a genética e a medicina. Cientes destes enormes desafios, o nosso grupo de investigação da Nova Medical School/CINTESIS integrou recentemente o laboratório colaborativo RISE (Rede de Investigação em Saúde), tendo como objetivo, precisamente, responder às exigências da investigação clínica, através da integração de uma rede de investigadores, com as competências necessárias à investigação clínica na área da nutrição, e com fortes ligações aos centros de investigação de referência e ao Serviço Nacional de Saúde Português.

André Rosário
Professor Auxiliar Convidado da NOVA Medical School
Investigador CINTESIS
Investigador RISE

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