Siga o seu olfato? 1722

O tema não é novo, mas tem ganho relevância nos últimos meses – devemos simplesmente deitar fora alimentos fora do seu prazo de validade? Tem sido notícia que as principais cadeias de distribuição do Reino Unido estão, gradualmente, a eliminar a indicação do prazo de validade de vários produtos, deixando ao critério dos consumidores se devem ou não comer os alimentos que têm pela frente. Na prática, desde dia 1 de setembro, centenas de produtos frescos, como frutas e vegetais, vão deixar de ter prazo de validade na embalagem e terão de ser os consumidores a observar, cheirar e provar os alimentos, para decidir se estão aptos para consumo ou não. E embora estas medidas não estejam previstas para já na UE, a EFSA admite estar a estudar o assunto.

As preocupações crescentes com a redução do desperdício alimentar (931 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente, de acordo com a ONU), a que se somou o recente aumento significativo do custo dos alimentos, originaram um debate sobre a utilidade e forma de aplicar os chamados prazos de validade. Se, por um lado, há muita comida em condições que não é consumida por estar “fora de prazo”, também é verdade que são necessários mecanismos de proteção da saúde dos consumidores. Aliás, os próprios consumidores têm posições variáveis em relação ao tema: por exemplo, os canadianos estão maioritariamente contra o desaparecimento do prazo de validade nos produtos, enquanto em Singapura os consumidores assumem ingerir frequentemente produtos fora de prazo.

A educação alimentar não se limita à escolha de nutrientes e os nutricionistas são profissionais valiosos para a capacitação das populações no que respeita à redução do desperdício alimentar: interpretar corretamente os rótulos, planear compras e refeições, ou saber aproveitar sobras são conceitos transmitidos em muitas consultas de nutrição e em ações de formação/sensibilização

Adicionalmente, a validade dos produtos não é apenas uma questão de segurança alimentar, é também uma questão de direitos do consumidor: uma bolacha fora de prazo poderá não ser um risco para a saúde, mas se perder o seu sabor ou textura característica, estará a defraudar as expetativas de quem a comprou. Tudo isto torna complexo o debate em torno dos prazos de validade e, por isso mesmo, existem diferentes designações presentes nas embalagens (“Consumir de preferência antes de…”, “Consumir de preferência antes do fim de…” ou “Consumir até…”), que nem sempre são conhecidas ou entendidas pelos consumidores. O facto de por vezes o prazo de validade estar impresso ou afixado num local diferente do texto (caso dos produtos que indicam: “Consumir de preferência antes de: ver tampa”) também dificulta a compreensão por parte dos consumidores (cerca de metade dos portugueses não entende corretamente ou não encontra o prazo de validade dos alimentos), que poderão estar a descartar produtos que ainda poderiam ser ingeridos.

Assim, se é notória a urgência em adotar medidas que reduzam o desperdício alimentar, não podemos deixar que todos os avanços conquistados na proteção da saúde dos consumidores sejam esquecidos ou desvalorizados. Por exemplo, sugerir que basta cheirar o leite num pacote para decidir se está apto para consumo é ignorar por completo uma série de avanços de saúde pública: o conhecimento existente sobre microbiologia, os esforços para garantir as condições de higiene de equipamentos e instalações, ou a tecnologia que permitiu criar embalagens práticas e seguras. Perante este cenário, os nutricionistas assumem, mais uma vez, um papel fundamental. A educação alimentar não se limita à escolha de nutrientes e os nutricionistas são profissionais valiosos para a capacitação das populações no que respeita à redução do desperdício alimentar: interpretar corretamente os rótulos, planear compras e refeições, ou saber aproveitar sobras são conceitos transmitidos em muitas consultas de nutrição e em ações de formação/sensibilização. O tema está na ordem do dia, por isso vale a pena dedicar-lhe tempo e atenção – afinal, não podemos confiar apenas no olfato!

Rodrigo Abreu, Nutricionista, Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados e Fundador do Atelier de Nutrição