Pão de larvas, gordofobia e dias sem carne – a Nutrição na campanha eleitoral 1018

Por Rodrigo Abreu, Nutricionista na Rodrigo Abreu & Associados e Fundador do Atelier de Nutrição®

 

Primeiro, chamou-me a atenção, despois, deixou-me confuso. “Pão de larvas??? Pó de larvas nos alimentos não” afirmava em maiúsculas o enorme cartaz junto a uma rotunda, com a imagem de um pão coberto de larvas. Rapidamente, uma pesquisa online apresentou resultados do Polígrafo relativos ao cartaz que, afinal, é da autoria de um partido político. Com alguma desinformação à mistura, alguém parece preocupado com a introdução de insetos na alimentação humana e trouxe o tema para a campanha eleitoral.

Numa altura em que o País se prepara para ir novamente a votos, e com a campanha eleitoral em curso, é normal que os nutricionistas procurem conhecer as propostas dos vários partidos, em particular, no que diz respeito aos temas da Alimentação e Nutrição. Para facilitar essa análise, há até nutricionistas que têm feito a identificação e resumo das menções a estes temas nos diferentes programas eleitorais. Adicionalmente, nestas eleições há vários nutricionistas presentes nas listas dos partidos a votos, o que parece confirmar a relevância da Nutrição na sociedade atual. Mas, estarão os temas da Nutrição devidamente acautelados nas propostas partidárias, ou trata-se apenas de exploração política de uma preocupação crescente das pessoas com a sua saúde e com aquilo que comem? E, entre discursos alarmistas, populistas ou idealistas, será esta preocupação dos políticos com a Nutrição algo necessariamente positivo para os nutricionistas e para os objetivos que perseguem?

De facto, nos programas eleitorais pode encontrar-se um pouco de tudo, desde a preocupação com “a sonegação de sementes às populações”, até ao “combate à gordofobia institucionalizada” (sic). Há também propostas semelhantes nos programas de diferentes partidos, como a redução/isenção do IVA num cabaz básico de alimentos (“saudáveis”, pressupõe-se), a contratação de mais nutricionistas (para o SNS, para as escolas e/ou para as autarquias) e a comparticipação de medicamentos para o tratamento da obesidade. Embora algumas destas medidas possam parecer válidas aos nutricionistas (e interessantes para os eleitores em geral, presume-se), seria útil perceber de que forma cada partido propõe cumprir estas promessas. Em particular, é importante esclarecer como se preconiza o financiamento de contratações e comparticipações. Num país já com uma enorme carga fiscal, quantos nutricionistas estarão dispostos a pagar mais impostos para financiar medidas com as quais até concordam? Na realidade, não basta apoiar certas medidas para a Nutrição, é preciso também saber como podem ser executadas.

A maldição dos Kennedy

Adicionalmente, os temas da Saúde, nos quais se inclui a Nutrição, não podem ser isolados do contexto global da governação de um País. A Saúde interliga-se com a Economia, a Fiscalidade, o Ambiente, o Urbanismo ou a Agricultura. Do mesmo modo, a alimentação e o estado de saúde das pessoas, dependem de uma variedade de fatores. São sobejamente conhecidas as relações entre a situação económica, o nível de educação e diversos indicadores de saúde, naquilo que de forma mais abrangente se designa por determinantes sociais da saúde. É também inegável a influência do rendimento e da riqueza na saúde, uma relação que se procura conhecer cada vez melhor, para definir políticas de saúde mais eficazes e combater as desigualdades. Tudo isto reforça a importância das propostas políticas para a Nutrição estarem integradas com medidas que promovam mais educação e riqueza, de forma equitativa e sustentável. No fundo, os nutricionistas devem ser os primeiros a reclamar medidas para melhor Nutrição e Saúde, mas mantendo o pragmatismo relativamente a propostas demasiado simplistas ou populistas.

O País vai a votos no próximo dia 18, e será pouco provável que os nutricionistas votem em determinado partido apenas porque apresenta medidas sobre Nutrição e Alimentação (algo, naturalmente, muito redutor). Mas, vote em quem votar, seja porque razão for, o mais importante é não abdicar desse dever e direito que damos por garantido, mas que precisa ser defendido em cada ato eleitoral através da nossa participação.

NOTA: o autor nunca teve qualquer afiliação partidária e não participa em qualquer ação política.