O outro lado dos hortofrutícolas: nitratos e nitrito 2820

Por ocasião das minhas provas de agregação, na preparação que fiz sobre várias temáticas suscitou-me muito interesse e curiosidade a presença dos nitratos nos alimentos. A oportunidade de discutir o assunto com o Professor João Laranjinha da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, que tem dedicado a sua investigação às alterações redox nos sistemas biológicos, em particular ao papel do NO, foi muito enriquecedora.

Os nitratos e os nitritos são abundantes na nossa dieta, provenientes de fontes alimentares diferentes: os nitratos provenientes de vegetais, em particular os de folha verde e os nitritos estão presentes nas carnes curadas. Quer os nitratos quer os nitritos, mas estes últimos em particular, têm uma conotação negativa devido à sua conversão em N-nitrosaminas que têm potencial carcinogénico. Dado este potencial, há imposições legais que limitam a sua quantidade nos alimentos, sem que exista evidência que associe a sua ingestão ao cancro. Atendendo a que com uma porção de vegetais de folha verde ultrapassamos a quantidade de ingestão máxima diária recomendada, e que o consumo de hortofrutícolas está associado a uma redução do risco de aparecimento de cancro, parece existir aqui uma contradição.

Os nitratos provenientes dos alimentos têm sido sugeridos como precursores de NO via nitrato-nitrito-NO, com a participação do microbiota oral. Os nitratos são sujeitos a redução a nitritos pelas bactérias redutoras de nitrato do microbiota oral, sendo a circulação enterosalivar responsável pela produção de cerca de 85% de nitrito a partir de nitrato da dieta.

Estes nitritos atingem posteriormente o estômago onde as condições acídicas promovem a redução espontânea dos nitritos a NO. O NO é um importante sinalizador celular, que no sistema gastrointestinal induz a vasodilatação, aumenta a produção de muco e modula a resposta imune. Uma vez que esta molécula atravessa livremente as membranas celulares também acontece a sua distribuição por outros tecidos.

No entanto, há nitratos que escapam à redução oral a nitrito, e nitritos que escapam do estômago chegando ao intestino. Aqui existem bactérias intestinais com capacidade de reduzir o nitrato a nitrito e, se as condições do ambiente local permitirem, haver a produção de NO.

Os hortofrutícolas, para além de nitratos, são reconhecidas fontes de fibra. Esta fibra é fermentada pelo microbiota intestinal originando ácidos gordos de cadeia curta e lactato, produtos que contribuem para uma descida do pH do meio, tornando as condições propícias para a produção espontânea de NO a partir de nitrito. A ingestão de nitrato tem sido associada a proteção cardiovascular, inflamação redução da pressão arterial entre outros e a via nitrato-nitrito-NO e o microbiota oral e intestinal podem ser determinantes para a conversão em NO que poderá mediar estes efeitos biológicos.

A ingestão concomitante de nitratos, fibra e outros componentes bioativos presentes nas plantas poderão ter um efeito conjunto, particularmente ao nível da modulação do microbiota intestinal, proporcionando condições para a formação de metabolitos com impacto positivo na saúde. É importante refletir sobre a complexidade do alimento e as interações químicas e biológicas resultantes desta diversidade química.

O impacto das condições redox do ambiente na modulação dos efeitos biológicos, em particular o efeito sobre o microbiota e a regulação do seu metabolismo ainda não estão muito exploradas. Será determinante uma visão holística das transformações químicas e biológicas que acontecem no sistema gastrointestinal com impacto na saúde humana.

Ana Faria
Professora Auxiliar com Agregação
Nutrição e estilos de vida
Nova Medical School|Faculdade Ciências Médicas
Universidade Nova de Lisboa

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