“Ninguém vai conseguir fazer uma dieta destas para o resto da vida” 858

No regresso das Jornadas do Serviço de Nutrição da Unidade Local de Saúde de Santo António (ULSSA), o debate centrou-se nos desafios e avanços da Nutrição moderna. Em antecipação ao Dia Mundial da Obesidade, celebrado anualmente no início de março, acompanhámos com especial atenção as palestras dedicadas a esta doença crónica, apelidada de “epidemia do século XXI” pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Obesidade, KD, LCD…

Na mesa “Cetogénica e low carb: de preteridas a preferidas” ficou demonstrado que estas dietas podem ser uma opção a considerar no tratamento da obesidade, porém o seu uso deve ser criterioso, individualizado e sempre sob supervisão especializada.

Sílvia Pinhão, nutricionista do Serviço de Nutrição da ULS São João, começou por referir que as diretrizes atuais para o tratamento da obesidade “recomendam a restrição alimentar, especificamente a restrição energética, como primeira estratégia nutricional para a perda de peso”, salientando que “as recomendações clínicas para gestão da pré-obesidade e obesidade sublinham a importância de intervenções personalizadas e centradas no indivíduo”.

Quando chega a hora de emagrecer, “todos os indivíduos, independentemente do tamanho ou composição corporal, beneficiam de uma abordagem nutricional/alimentar adequada”, realçou. Antes de apresentar uma abordagem sobre a aplicabilidade das dietas cetogénicas (KD) e das dietas low carb (LCD) no tratamento da obesidade, lembrou que não existe um padrão alimentar único para o controlo da obesidade e várias intervenções estão associadas a melhorias na pressão arterial, perfil glicémico e lipídico, adiposidade, qualidade de vida, bem-estar, bioquímica nutricional e comportamentos alimentares.

Uma LCD é definida como «uma ingestão de hidratos de carbono (HC) abaixo do limite inferior da faixa aceitável de distribuição de macronutrientes para adultos saudáveis – 45-65% do valor energético total (VET). Evidencia os HC como uma fonte crítica de energia, minerais, fibras e vitaminas», esclareceu. Dependendo do grau de restrição, pode ser classificada como (usando como exemplo um VET diário de 2.000 kcal): dieta moderada de HC = 26-44% VET de HC (130-225g/dia); dieta com baixo teor de HC – low carb =10-25% VET de HC (50-130g/dia); dieta com muito baixo teor de HC – very low carb = 10% VET de HC (50g/dia).

A nutricionista recorreu a estudos que demonstram que as LCD são superiores a outros métodos dietéticos na promoção de uma perda de peso rápida nos primeiros seis a 12 meses. “E este é um grande problema, porque todas as dietas funcionam até aos seis meses”, testemunhou. O verdadeiro desafio é manter os resultados: “Vocês podem inventar a dieta que quiserem, que os doentes facilmente conseguem cumpri-la nos primeiros seis meses. Ao fim dos seis meses começa a grande confusão em tudo, até na cirurgia bariátrica”.

Depois de revelar que «uma KD tem de conter uma quantidade de HC suficientemente baixa para produzir a cetogénese», Sílvia Pinhão pediu à vasta e diversificada plateia para “se tiverem um indivíduo que vai cumprir uma KD, têm de avaliar a cetogénese”. No tratamento da obesidade, pensando nas dietas cetogénicas de muito baixo valor calórico (VLCKD), que “são as que vão promover, efetivamente, a perda de peso”, distinguiu, “estamos a falar de quantidades de 50g/dia de HC, 1-1,5g/dia de proteína para cada 1 kg de peso ideal, 30-80g/dia de gordura e um VET de 500-800 kcal”. Para serem eficazes, devem ter uma duração mínima de duas a três semanas, e máxima de seis a 12 meses.

A interveniente expôs que “a perda de peso inicial com dietas low carb high fat (LCHF) é amplamente atribuída à perda de água corporal, não à perda de gordura”, consequentemente “estes doentes têm de ter uma hidratação aumentada”. Por outro lado, “dietas com LCHF que têm um maior teor de proteína da substituição parcial dos HC por proteína, em vez de apenas gordura, parecem promover a perda de massa gorda e resultar numa percentagem menor de massa magra perdida”.

Do seu ponto de vista, “as KD no tratamento da obesidade, como qualquer outra dieta, devem ser calculadas de acordo com as caraterísticas individuais, tendo sempre em conta as indicações e contraindicações possíveis”. Devido aos “potenciais riscos”, assinalou que “sempre que decidirem instituir um plano alimentar com uma KD, têm de suplementar, porque elas são altamente restritivas, quer do ponto de vista de energia, quer do ponto de vista de macronutrientes”.

De facto, estas abordagens exigem um cuidado redobrado, uma vez que podem ter efeitos secundários como fome, fadiga, mau humor, irritabilidade, obstipação/diarreia, cefaleias, halitose, alterações do perfil lipídico, desidratação, hipocalcemia, etc. “Não é, de todo, recomendado que se inicie uma KD sem o devido acompanhamento e monitorização por um profissional devidamente qualificado para o efeito”, alertou.

Embora possam ser úteis como parte do tratamento de várias doenças, a situação mais comum é o uso das KD para a perda de peso. Mesmo sendo “eficazes, a curto e médio prazo, como ferramenta para combater a obesidade, hiperlipidemia e alguns fatores de risco cardiovascular”, a professora acautelou que “continua a faltar conhecimento sobre os mecanismos fisiológicos envolvidos”.

Por fim, o regresso a uma alimentação equilibrada e a implementação de estratégias comportamentais são fundamentais para evitar o reganho de peso. “Não se esqueçam que depois dos nossos doentes perderem peso, isto é uma coisa provisória, ninguém vai conseguir fazer uma dieta destas para o resto da vida. Temos de tentar trabalhar no sentido de instituir estratégias que possam melhorar a sua qualidade de vida”, concluiu.

 

Este artigo complementa o texto “Obesidade em foco: desafios e soluções”, publicado na última edição da revista VIVER SAUDÁVEL, afeta aos meses de maio e junho. Saiba mais acerca da Revista dos Nutricionistas aqui