“Doença crónica baseada na adiposidade – ABCD” recomendado como conceito diagnóstico mais preciso para a Obesidade 3551

A obesidade é uma doença crónica que produz uma carga cada vez mais pesada sobre os cidadãos, os sistemas de saúde, a produtividade do país e a sociedade em geral. Por conseguinte, deve ser considerada como uma prioridade absoluta, com um aumento dos compromissos para ações consertadas, coordenadas e específicas nesta área.

O reconhecimento da obesidade como uma “doença crónica baseada na adiposidade” (adiposity-based chronic disease – ABCD) é de particular relevância e está em consonância com a proposta da Associação Europeia para o Estudo da Obesidade (EASO) de melhorar os critérios diagnósticos da Classificação Internacional de Doenças CID-11 para obesidade com base em três dimensões: etiologia, grau de adiposidade e riscos para a saúde https://www.karger.com/Article/FullText/497124

Foi em Dezembro de 2017, que em resposta à ameaça à saúde pública representada pela obesidade, a Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos e o Colégio Americano de Endocrinologia (AACE /ACE) publicaram uma posição https://journals.aace.com/doi/10.4158/EP161688.PS defendendo a substituição da palavra “obesidade” por este novo conceito diagnóstico, o qual pretende redefinir os critérios de diagnóstico médico para a obesidade, dando ênfase aos efeitos patofisiológicos do excesso de gordura corporal em detrimento do peso e/ou índice de massa corporal (IMC) per si, encarando de forma holística esta doença como uma verdadeira ameaça à saúde, e não simplesmente como um problema estético e relacionado com a aparência. Além disso, o estigma associado ao termo “obesidade” foi reconhecido como uma barreira para o sucesso da gestão da doença.

A componente “adiposidade” do conceito remete para irregularidades na quantidade, distribuição e/ou função do tecido adiposo, enquanto a parte “doença crónica” atende para as complicações associadas como hipertensão, diabetes e apneia do sono, que causam morbilidade e mortalidade. Conceptualmente os indivíduos não têm obesidade aguda. É uma doença de longo curso (crónica) e não transmissível que afeta a população global. Quando olhamos para a biologia da doença, não se trata apenas de peso ou gordura total, mas também da distribuição de gordura: gordura visceral, gordura ectópica, gordura que se deposita nas células de outros órgãos endócrinos e metabólicos, causando disfunção e agravamento no quadro clínico. Também sabemos que o tecido adiposo produz proteínas, como a leptina e a adiponectina. É a proporção e os efeitos em rede dessas proteínas derivadas de adipócitos que realmente conferem efeitos adversos sobre o apetite, o metabolismo intermediário e o sistema cardiovascular. Pelo exposto, a proporção e funcionalidade da gordura corporal são uma ferramenta útil para identificar a predisposição de doença. No entanto, fora do cenário de investigação, não há orientações de teste padronizadas e disponíveis para os profissionais de saúde usarem no ambiente clínico. E isso tem de mudar no futuro

Segundo Jeffrey I. Mechanick e colaboradores, da Icahn School of Medicine, nos Estados Unidos, a “doença crónica baseada na adiposidade” permite uma capacidade mais robusta para diagnósticos baseados não apenas no peso e altura e circunferência da cintura, mas também na imagem corporal e biologia molecular e representa uma abordagem estruturada, multidisciplinar, com foco na redução do risco da doença através da atividade física, dos padrões alimentares, do sono, do comportamento, isto é, todos os meios não-farmacológicos e não-cirúrgicos de gestão da doença – a medicina de estilos de vida.

ABCD é inclusivo, robusto e abrangente de todas as possíveis causas de obesidade. Por exemplo, o novo conceito cobre a obesidade sarcopénica, que está relacionada com a diminuição da massa muscular. O excesso relativo de gordura corporal confere, ao indivíduo geneticamente suscetível, resistência à insulina. Com a resistência à insulina vem o risco aumentado de doença cardiovascular, e está associado a essa distribuição anormal – não quantidade, mas distribuição de gordura corporal. Este é um exemplo em que o novo conceito de diagnóstico teria um desempenho melhor do que o termo de doença mais antigo, que seria “obesidade”.  Um dos grandes desafios para o uso do diagnóstico ABCD, é a identificação de marcadores/métricas apropriados, disponíveis e acessíveis aos profissionais de saúde que reflitam o efeito da adiposidade na saúde. Na prática, os fatores relevantes e as alterações associadas ao tecido adiposo devem de ser identificados em relação à massa, distribuição e função como por exemplo –  o aumento da massa gorda [história clínica e exame físico], a resistência à insulina e os lipídios ectópicos acumulados [usando testes bioquímicos disponíveis e imagem médica], e a inflamação do tecido adiposo e a disfunção da sua função secretora que afeta o risco de doença cardiovascular e metabólico [testes laboratoriais que ainda não se encontram amplamente disponíveis].Além disso, uma avaliação do risco, presença e gravidade das complicações baseadas na adiposidade deve ser realizada, isto é, estádio 0 – não tem complicações baseadas na adiposidade identificáveis, estádio 1 – tem complicações leve a moderadas baseadas na adiposidade, e estádio 2 – tem complicações graves baseadas na adiposidade.

De facto, para travar esta doença prevalente, crónica e fatal, os profissionais de saúde precisarão de integrar uma abordagem que vá além do foco singular no IMC, num modelo de atendimento assistencial crónico. No acrónimo ABCD, cada palavra realmente significa alguma coisa. É uma doença crónica e está relacionada com a adiposidade. Assim como temos uma doença crónica relacionada com o coração ou os vasos sanguíneos, à glicose no sangue ou à doença neurodegenerativa, podemos ter uma doença crónica relacionada com a adiposidade. O novo diagnóstico ABCD é um claro passo em frente na Alimentação e Nutrição Humana, na integração do metabolismo e Medicina aplicada aos estilos de vida. Vamos continuar a negligenciar este diagnóstico?

Diagrama conceptual da obesidade como doença crónica baseada na adiposidade (ABCD), que integra as características da adiposidade, incluindo a quantidade total, a distribuição, bem como a função do tecido adiposo, o contexto de ambiente físico (“construído” ou criado pelo homem, isto é, disponibilidade de alimentos, planeamento urbano, alteradores endócrinos, etc.) e cultural (aspetos sócio-político-económicos, ou seja, costumes, atitudes em relação à alimentação e atividade física, cultura, etnia, crenças, políticas, desigualdades e estigmatização, entre outros) em que é incorporado, juntamente com a carga clínica decorrente do impacto da gordura disfuncional ao longo do tempo, o que leva ao desenvolvimento de complicações e um estádio de doença específico do género. Adaptado de Frühbeck, et al (2019).

 

Diana Teixeira

Professora Auxiliar Convidada, Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School| Faculdade de Ciências Médicas, UNL; Coordenadora da Unidade Universitária de “Lifestyle Medicine” da José de Mello Saúde by NOVA Medical School e Investigadora ProNutri, CINTESIS

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