Atualidades em Ciência 717

Durante décadas a vitamina D foi reconhecida como um elemento-chave no controlo do metabolismo ósseo: regula a concentração sérica de cálcio e de fosfato estimulando a absorção destes minerais no intestino e reabsorção no rim – regulação da homeostasia do cálcio e do fosfato. Quando existe deficiência de vitamina D, os níveis circulantes de PTH aumentam, estimulando a reabsorção óssea, podendo resultar em osteopenia, osteoporose e num aumento do risco de fratura. Atualmente é reconhecido pela comunidade científica e médica que a importância da vitamina D vai muito para além da regulação do tecido ósseo.

Encontramos vitamina D em alguns alimentos (peixe, produtos lácteos, cogumelos, entre outros alimentos fortificados) e esta é absorvida no intestino.

Adicionalmente, na presença de radiação ultravioleta B, a vitamina D3 7-desidrocolesterol, presente na pele, é fotoquimicamente transformada em colecalciferol. Assim, a forma ingerida ou a forma fotosintetizada são posteriormente convertidas no organismo na forma ativa (calcitriol), primeiramente por uma 25-hidroxilação, que ocorre no fígado, seguida de uma 1-hidroxilação, ocorrendo esta no rim e em muitas outros tecidos. Há cerca de 40 anos que se reconhece o calcitriol, 1,25(OH)2 vitamina D3, como uma hormona (lipossolúvel). A descoberta dos seus recetores (VDR) levou a conhecer os efeitos autócrinos e parácrinos do calcitriol. Esta família de recetores é maioritariamente nuclear. A ativação, por ligação do calcitriol, desencadeia respostas genómicas (expressão de genes – cerca de 3% do genoma humano) e não genómicas (segundos mensageiros, por ex ligando-se ao NFkB assumindo um papel anti-inflamatório).

Os níveis de vitamina D estão dependentes da sua ingestão (menor contributo) e da produção na pele (potencial maior contributo, mas dependente da época do ano e da latitude, entre outros fatores). Adicionalmente, os níveis são influenciados pelos níveis de atividade de enzimas envolvidas no seu metabolismo, tais como a responsável pela sua ativação, a 1-hidroxílase e a responsável pela sua excreção (inativação do cacitriol), a 24-hidroxílase.

Atualmente sabe-se que a vitamina D assume funções muito relevantes com efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes, antimicrobianos, na hipertensão (supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona), na diabetes (aumento da sensibilidade à insulina), no metabolismo lipídico (redução da expressão da ApoA1). Sabe-se ainda da sua importância na microbiota, em concreto aumentando a diversidade de microrganismos, reduzindo o número de oportunistas/patogénicos.

Desde que foi identificado o VDR em células do sistema imunológico que rapidamente foi dada particular atenção aos efeitos da deficiência da vitamina D nas doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e colite ulcerosa), quer na sua génese, quer no controlo da sintomatologia. Não só por esta se relacionar com a integridade da barreia intestinal, alterando a transcrição de proteínas associadas às junções apertadas, como influenciando as células T. Sabe-se que a deficiência de vitamina D leva a uma maior produção de TNF-γ e de IL-17 pelas células T.

Além das doenças inflamatórias intestinais, há cerca de 40 anos que se associa a deficiência em vitamina D e a esclerose múltipla, sabendo-se que esta é uma condição com um forte componente autoimune e inflamatório. Inicialmente, estudos epidemiológicos mostravam que a esclerose múltipla era mais frequente em países mais distantes do equador. Atualmente tem surgido investigação sobre os mecanismos moleculares associados à doença, apontando para a importância do calcitriol como anti-inflamatório mas, sobretudo, como ativador de remielinização.

O grau de evidência relativamente à vitamina D e a muitas das morbilidades está altamente dependente das metodologias usadas nos estudos, observacionais ou de intervenção. Muitas vezes a insuficiência da evidência está no facto de menos atenção ser dada, nos trabalhos científicos, à época do ano em que os estudos foram realizados, à composição corporal da população observada ou de intervenção, entre outros fatores.

Conceição Calhau, ProNutri, CINTESIS
NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médica das Universidade Nova de Lisboa

Envie este conteúdo a outra pessoa