Nutrições Alternativas 988

Há cerca de dez anos, assisti na biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a uma interessante conferência sobre as chamadas “medicinas alternativas”. De tudo o que ouvi na altura, há uma frase do Prof. António Vaz Carneiro que não esqueço: “Não existe Medicina Convencional e Medicina Alternativa. Existe sim boa Medicina e má Medicina.”. De facto, se hoje nos maravilhamos com as possibilidades de prevenção e tratamento de tantas doenças, não podemos esquecer que este avanço se deve justamente ao papel das boas práticas na Medicina – a boa Medicina, de que falava o Prof. Vaz Carneiro. E que boas práticas são estas?

Desde logo, a omnipresença do método científico na Medicina atual. A ideia de que o médico decide por instinto o que fazer com cada doente, não é atualmente aceitável. Primeiro, porque o conhecimento acumulado permite sistematizar de forma bastante eficaz todo o processo que vai da queixa do doente ou de algum achado clínico, até ao estabelecimento de um diagnóstico e opção por possíveis tratamentos. Depois, porque quer a exigência dos pares, quer a informação crescente dos próprios doentes, reduz a margem para que um médico “invente”. Tudo isto tem sido altamente benéfico na obtenção de diagnósticos mais fidedignos, no desenvolvimento de melhores tratamentos e, como resultado final, em populações mais saudáveis e com maiores esperanças de vida.

Então, como explicar o surgimento de más práticas? E, especificando um pouco mais, como justificar a aparente proliferação de “nutrições alternativas”? Não deveriam as Ciências da Nutrição “aprender” com os avanços já citados na Medicina e procurar não repetir erros do passado? Não deveriam os nutricionistas vir já formatados, após a sua formação académica, para a importância de abordagens baseadas em evidência? Porque vemos colegas tentados a ouvir o canto da sereia das “nutrições alternativas”, que tentam disseminar práticas sem qualquer fundamento/validade científica? É preciso deixar bem claro que procedimentos como o VEGA testing ou testes múltiplos de intolerância alimentar (IgG/IgG4 específicas), ou a prescrição de dietas alcalinas ou detox, não constituem boas práticas. Argumentos do tipo “comigo funciona” ou “conheço alguém que se deu muito bem” não podem ter lugar no discurso de um profissional de saúde em pleno séc. XXI. São a tal “má medicina”, que se esconde atrás de uma bata branca ou de quem se denomina “Dr.”. E podemos até rir ou achar piada quando ouvimos falar em dietas de meditação ou do tipo de sangue, mas não tomar posição contra más práticas deste tipo, é deixar que a nossa profissão perca credibilidade. Mais, é deixar que todos os nutricionistas possam ser colocados no mesmo saco e observados pela sociedade como sendo de validade questionável.

Bem sei que o discurso baseado em evidência pode parecer muitas vezes pouco inovador ou bastante próximo do senso comum. Mas não é por isso que o nosso papel fica diminuído, ou que deixa de haver espaço para o nutricionista fazer a promoção da saúde. Pelo contrário, isso torna ainda mais desafiante e especial a nossa tarefa de contribuir para populações mais saudáveis e felizes à mesa!

Rodrigo Abreu,
Nutricionista

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