Pão pão, Queijo queijo 786

“Então, talvez para o ano… Agora mete-se o Natal, depois a passagem de ano e a seguir o dia de Reis… Vai ser complicado!” dizia-me com ar comprometido e sorriso disfarçado o último utente da consulta, quando lhe perguntei em que data lhe dava jeito agendar a próxima visita.

Chega-se a fim de novembro, princípio de dezembro e quase todas as consultas acabam com estas considerações. Por muito que procure fazer a educação alimentar das pessoas na consulta, a ideia de “fazer dieta” está ainda intrinsecamente ligada ao simples acto de consultar um(a) Nutricionista. É uma mentalidade de décadas, em que quem precisa de perder peso se enche de coragem para ir ouvir uma sentença de fome e restrições, muitas vezes acompanhada de insinuações desagradáveis (do tipo “você tem 40% de massa gorda”) ou previsões assustadoras (tais como “por este andar, arrisca-se a ser diabético em menos de 5 anos”).

Não é de estranhar por isso que haja pessoas que precisam de se “mentalizar” antes de ir a uma consulta. Na realidade, a ideia generalizada ainda é a de que uma Consulta de Nutrição é uma espécie de ato de masoquismo, onde se vai para “sofrer”, apenas tolerável porque é feito em prol de mais saúde ou de um corpo mais bonito.

Se é certo que a Consulta de Nutrição ainda está rodeada de lugares comuns e estereótipos, alguns deles para sempre ligados à profissão, é importante refletir nas nossas práticas e perceber se estamos a ser capazes de fazer corretamente o nosso trabalho – ensinar pessoas a gerir melhor as suas escolhas alimentares no dia a dia. A nossa função não é pôr pessoas a “fazer dieta”, mas sim capacitá-las a conciliar os aspetos práticos, económicos, nutricionais, emocionais e sociais da sua alimentação. Caso contrário, estamos condenados a ser vistos apenas como aqueles chatos(as) que proíbem os alimentos saborosos ou impingem coisas sem sabor.

Talvez por isso, nesta altura do ano gosto de me despedir dos utentes em tom de brincadeira, desejando-lhes “todas as calorias a que têm direito”. Porque o Natal é só uma vez por ano. Porque, para muitos, as Festas são sinónimo de convívio com a família mais distante. Porque a fartura na mesa de Natal é parte da nossa tradição, cultura e identidade. Descontando naturalmente os casos de patologia ou necessidade absoluta de uma dieta rigorosa, fará sentido privar alguém disso? É mesmo preciso obrigar as pessoas a comer bolo rei sem açúcar ou filhós feitas no forno? E que impacto no peso terão umas calorias a mais por dois ou três dias?

A vida é muito mais do que as calorias que comemos, sobretudo numa altura do ano tão especial como o Natal. O(a) Nutricionista deve ser o primeiro a ter noção disto, sabendo que há momentos para tudo, incluindo não cumprir à risca tudo o que prescrevemos. Ralhar com utentes que comeram rabanadas, restringir a Ceia de Natal a bacalhau cozido com couves ou sugerir que se troquem as passas na noite de fim de ano por sementes de chia, revela pouca empatia e uma obsessão com as melhores escolhas nutricionais que acaba por não ser benéfica. Afinal, como sempre ouvi dizer, não é o que se come entre o Natal e a Passagem de Ano que nos engorda, mas sim o que comemos entre a Passagem de Ano e o Natal.

Rodrigo Abreu,
Nutricionista

Rodrigo Abreu,
Nutricionista

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