O envelhecimento populacional, problemática atual e transversal, deve merecer a nossa melhor atenção. A evolução científica, tecnológica e da Saúde Pública conduz a uma maior esperança média de vida o que, infelizmente, não se traduz em mais anos vividos de forma saudável. Portugal é um dos Países da OCDE com maior prevalência de população doente acima dos 65 anos. As alterações dos estilos de vida, particularmente alimentares, são cruciais para que seja possível um menor declínio de funções ao longo da vida. A desnutrição, espelhada sobretudo num défice proteico-calórico, é muito prevalente na população idosa e mostra-se multifatorial, sendo influenciada pelas alterações fisiológicas que acompanham o envelhecimento, pelas comorbilidades, pela polifarmácia, pela depressão do idoso e ainda por fatores socioeconómicos e ambientais.
Uma das principais consequências da desnutrição, que é já reconhecida como preditor independente de mortalidade no idoso, é a aceleração da perda de massa muscular que ocorre do envelhecimento per se mas e se pensa estar ligada à inflamação de baixo grau e ao stresse oxidativo. Estas alterações levam à sarcopenia e a um idoso mais frágil, propenso a alterações do equilíbrio, a maior risco de quedas e ao decréscimo da sua capacidade funcional, culminando numa diminuição da qualidade de vida, em maior risco de hospitalizações e em maiores custos em saúde.
O estudo MATeR – From mitochondria to healthy aging: the role of branched-chained amino acids treatment: MATeR a randomized study, veio avaliar a eficácia de uma mistura enriquecida em aminoácidos de cadeia ramificada quando comparados com aconselhamento nutricional na promoção da função mitocondrial e na melhoria de resultados clínicos, nomeadamente na performance muscular e cognitiva em idosos malnutridos e residentes na comunidade. Tendo como amostra idosos com 80 ou mais anos com critérios de malnutrição, pela aplicação do questionário Mini Nutritional Assessment® (MNA®), e com um declínio cognitivo minor, avaliado pelo questionário Mini-Mental State Examination (MMSE), o estudo apresenta os dados dos 116 indivíduos, dos quais 56 foram aleatorizados para receber aconselhamento nutricional, realizado através de um folheto fácil de usar, dirigido a leigos e seguindo a abordagem “food first”, e 60 para receberem tratamento com uma mistura enriquecida com aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) que deveria ser ingerida uma vez por dia.
Como outcomes primários a massa muscular, a força muscular e a produção de ATP mitocondrial e como outcomes secundários, a performance cognitiva, o estado nutricional, o estado geral de saúde, a biogénese mitocondrial e a atividade mitocondrial nas células mononucleadas do sangue periférico.
Os principais resultados deste estudo evidenciaram um aumento da ingestão calórica em ambos os grupos e de uma forma mais consistente no grupo sob aconselhamento nutricional, uma melhoria no estado de saúde global percecionado pelo próprio e uma melhoria do estado nutricional, evidenciada pelo aumento da pontuação no MNA®, do índice de massa corporal e da massa adiposa também em ambos os grupos. A melhoria da performance cognitiva avaliada pelo MMSE e da performance muscular apenas se verificou no grupo tratado com a mistura enriquecida em AACR. No entanto, o risco de queda e a mobilidade foram variáveis que melhoraram em ambos os grupos.
A capacidade bioenergética celular, refletida no aumento da produção de ATP e níveis de stresse oxidativo inalterados, verificou-se exclusivamente nos indivíduos sob suplementação com a mistura enriquecida em AACR, ressalvando aqui que foi possível inferir uma relação positiva desta melhoria bioenergética com a melhoria da performance muscular e cognitiva nestes doentes. Já nos doentes sob aconselhamento nutricional o stresse oxidativo aumentou gradualmente ao longo do tempo.
Dos resultados deste estudo há que enfatizar o facto de ser o primeiro a sugerir que a suplementação com AACR pode ser uma estratégia para melhorar a capacidade bioenergética de células cujas mitocôndrias são semelhantes às do tecido muscular. Esta competência bionergética parece ser um ponto central no que toca a escolhas nutricionais eficientes em intervenções que visem melhorar a performance cognitiva e/ou muscular sem sobrecarregar organelos cuja capacidade de reduzir o stresse oxidativo diminui com o envelhecimento, como é o caso da função mitocondrial.
A diferença entre as intervenções dos dois grupos, no que toca ao stresse oxidativo, poderá estar relacionada com o aumento da ingestão calórica que foi mais consistente no grupo sob aconselhamento nutricional. Não tendo neste estudo sido possível avaliar a quantidade de aminoácidos de cadeia ramificada ingeridos, não foi possível esclarecer os mecanismos moleculares, se menor capacidade de biogénese e/ou da função mitocondrial ou, se ainda ao aumento do stresse oxidativo. Para além disto, está já comprovado que a abordagem multimodal da sarcopénia tem melhores resultados. A componente do exercício físico é indispensável na abordagem do idoso sarcopénico e a influência desta variável iria muito provavelmente impactar nos resultados obtidos e quem sabe contribuir para a criação de um perfil nutricional dirigido à potenciação da performance muscular de uma forma eficiente do ponto de vista bioenergético.
Ainda assim, é de destacar que tanto o aconselhamento como a suplementação melhoraram o estado nutricional e resultados como o equilíbrio e a mobilidade, variáveis que se relacionam com o risco de queda e as suas consequências. Demonstra-se assim a importância deste tema que está ao alcance de qualquer profissional de saúde e pode fazer a diferença ao contribuir para um envelhecimento mais saudável.
Será que a nutrição de precisão vai passar por mais conhecimentos ao nível da atividade mitocondrial?
Mafalda Corrêa Figueira
Médica Especialista em Medicina Interna, Centro Hospitalar de Setúbal
Mestranda em Nutrição Humana e Metabolismo, NOVA Medical School