Março o mês da obesidade, da mulher: reflexões metabólicas no feminino 1961

O mês de março reveste-se de particularidades que importa aproveitar para refletir. Uma delas, dar destaque a temas de saúde como a obesidade. O dia 4 (de março), dia Mundial da Obesidade, é sempre uma oportunidade para o balanço, onde estamos e o que devemos dar prioridade para alterar projeções.

Em 2020, a SPEDM chamava a atenção que em Portugal mais de metade dos portugueses (67,6%), acima dos 15 anos, apresentavam excesso de peso ou obesidade, valores que colocam Portugal no quarto lugar da lista dos países da OCDE com mais pessoas com esta doença, a obesidade.

Ao rever os números do último ano, sabemos que entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, os gastos mundiais em saúde rondaram os 941 mil milhões de dólares. Não podemos ignorar os tempos peculiares de pandemia COVID-19 e de uma guerra. No entanto, deste valor, um décimo foi gasto nos Estados Unidos da América só com a obesidade e, um terço desse valor, em programas de perda de peso.
Não são valores a desprezar. Sobretudo numa fase em que praticamente obesidade e fome estão com casuísticas muito próximas. Temos cerca de 1,7 mil milhões de pessoas no mundo com excesso de peso, ou seja, cerca de 25% da população mundial (que somando ao número de pessoas com obesidade corresponderá a quase 40%).

Sobre estes números, mais do que estimar uma trajetória, e projeção para 2050, devemos rever a intervenção e, talvez não menos importante, a prevenção. Claramente sobre isso muito poderia ser escrito e ainda mais sobre matérias que não domino, mas falando apenas da área do metabolismo, sabemos que existem três variáveis modificáveis que mais influenciam a adiposidade ao longo da vida (simplificando): (i)atividade física; (ii) distribuição das refeições ao longo do dia e (iii) qualidade nutricional das opções em cada refeição (por exemplo, dando aqui destaque a refeições de baixo índice glicémico). Se fosse possível dar prioridade a estes três fatores muito seria prevenível. Veja-se que na revista Obesity Reviews, num dos artigos do mês de março (de 2023), uma revisão sistemática e meta-análise, no âmbito da perda de peso, avalia-se a importância da distribuição das refeições ao longo do dia para a intervenção na obesidade.

Claramente esta variável no artigo teve impacto mas o impacto será ainda maior se estivermos a falar de prevenção. No metabolismo nem tudo é reversível e reações inversas são muitas vezes mais complexas e com regulações diferentes. Passo a dar um exemplo mais concreto ainda que numa linguagem bioquímica. O artigo foca-se na cronobiologia e crononutrição, ou seja, importa o que comemos mas também, e muito, a hora a que comemos. Fisiológico será que à noite exista uma resistência à insulina, e que a prioridade sejam fenómenos de reparação, a entrada de alimentos à noite estará desajustada destas prioridades fisiológicas. Assim, quando aumenta a insulina, é ativada a vida da mTOR e inibida a via da AMPK. O que entre muitas outras consequências, temos uma inibição da biogénese mitocondrial. Ora na prática a sobrealimentação já ‘satura’ o funcionamento destes organelos, com produção de espécies reativas de oxigénio, e não só.

Agora veja-se o que será sem a oportunidade da fase de reparação e de síntese de novo deste organelo. Agora veja-se o impacto que será tratar um doente cujo número/função mitocondrial está comprometido pela cronicidade de erros em muitos anos de estilos de vida inadequados, como um jantar pela noite dentro, petiscos ou ceias noturnas. Será bem mais complicada a mobilização de gordura uma vez que, lembro, a adipogénese ocorro no citosol mas a oxidação em beta ocorre na mitocondria. Toda a parte oxidativa estará dependente do funcionamento deste organelo. Quando nos últimos anos se discute o ‘jejum intermitente’ estaremos certamente a dar enfase ao jejum noturno uma vez que a sociedade, nas últimas décadas, foi passando a trabalhar até mais tarde e, a última refeição também deixou de ser ao anoitecer para ser francamente tarde.

Num mês em que eu completo meio século, também não podia, num propósito do mês em que se dá destaque à obesidade e ao Dia Internacional da Mulher (8 de março), não refletir sobre o facto dos gastos com a obesidade serem maiores na população feminina. Não sublinhar que com o aumento da esperança de vida, temos que fazer um investimento maior na saúde das mulheres ao longo da vida.

Temos praticamente metade da vida de uma mulher em fase pós-menopausa pelo precisamos de um maior investimento no cuidado da saúde feminina antes desta fase, preparando a mulher para viver mais e melhor. Se o investimento na mulher em idade fértil é crucial para as gerações seguintes, aqui não será menos importante. As mulheres estão, muitas vezes, na sua fase de vida mais ativa do ponto de vista profissional e precisam de saúde. Para isso a prevenção e a criação de unidades de saúde da mulher com um foco maior na Nutrição e na Atividade física são urgentes.

Nestes últimos meses têm sido publicados estudos científicos a reforçar o papel da prática de exercício físico no microbiota intestinal e claramente este é afetado também pela cronobiologia, pela prática ou não de exercício físico e no final, sabendo que os níveis endógenos de estrogénios é altamente dependente do microbiota intestinal (estrobloma), devemos sempre cuidar da saúde intestinal. A desconjungação dos estrogénios, que são excretados nas fezes, conjugados com o ácido glicurónico, podem ser reabsorvidos, porque ocorre desconjugação por ação bacteriana (dependendo do que temos ou não temos de bactérias). Se a reabsorção dos estrogénios é importante no período pós-menopausa, não o será, se em excesso, na idade fértil podendo relacionar-se com patologias como a endometriose, cancros estrógeno-dependentes, entre outras.

Vale a pena pensar (e fazer) em tudo isto.

Conceição Calhau
Professora Catedrática da NOVA Medical School
Nutricionista especialista em Nutrição Clínica, 0572N
Investigadora CINTESIS/RISE

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