Embalagens alimentares: das convencionais às inovadoras 1822

O conceito de embalagem alimentar remota ao início do século XIX com a necessidade de transportar e armazenar alimentos do exército francês durante as Guerras Napoleónicas. Nicolas Appert, intitulado de ‘father of canning’, desenvolveu então um método para conservar alimentos em frascos de vidro hermeticamente fechados. Este método de conservação impeliu Peter Durand a criar a folha de flandres, criando assim as primeiras embalagens alimentares de metal.

Com o avanço da tecnologia e ciência no século XX, muito impulsionado pelas I e II Guerras Mundiais inerentes às necessidades dos exércitos combatentes, surgiram os primeiros materiais à base de petróleo adaptados a embalagens alimentares para acondicionarem cereais secos e bolachas. Todos estes desenvolvimentos e avanços, culminaram nas várias embalagens alimentares que conhecemos atualmente feitas de vários polímeros, como o polietileno.

Assim, podemos dizer que a principal função de uma embalagem alimentar é proteger os alimentos de fatores externos, como a radiação, variações de temperatura, embates durante o transporte e manipulação, e agentes patogénicos, preservando e aumentando o seu tempo de vida útil. As embalagens alimentares podem ainda servir como meio de comunicação da marca com o consumidor, através do rótulo que contém informações sobre os ingredientes utilizados, valor nutricional, benefícios para a saúde de determinado alimento, assim como estratégias de marketing e promoção da própria marca.

Estas embalagens, ditas convencionais, não podem interagir com o alimento. Ou seja, nenhum composto do polímero utilizado no fabrico da embalagem, independentemente da sua origem, pode migrar para o alimento e vice-versa. Quando esta situação ocorre, estamos perante um fenómeno denominado migração.

Decorrente das necessidades da indústria e dos consumidores, da inovação na área das embalagens alimentares surgiram dois novos conceitos: a embalagem alimentar inteligente e a embalagem alimentar ativa. Segundo um inquérito realizado à população portuguesa pelo Departamento de Alimentação e Nutrição (DAN) do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) em 2019, apenas 11 % dos inquiridos revelaram saber o objetivo e conceito deste novo tipo de embalagens alimentares.

Ao contrário das embalagens convencionais, o principal objetivo das embalagens alimentares inteligentes e ativas é a interação da embalagem com o alimento. Regulamentadas pelo Regulamento Europeu N.º 450/2009, as embalagens inteligentes, monitorizam o alimento embalado e informam o consumidor sobre a viabilidade de consumo do alimento embalado. Geralmente, têm na sua composição ou dentro da embalagem um sistema que monitoriza as condições do alimento embalado, por exemplo o valor do pH, e/ou do ambiente em que o alimento se encontra como, por exemplo, variações de temperatura que tenham ocorrido desde o momento de embalamento até chegar ao momento de consumo. Estas embalagens são classificadas consoante o parâmetro monitorizado, sendo os mais comuns os indicadores de tempo e temperatura, normalmente utilizados sob a forma de um adesivo que muda de cor consoante as alterações do parâmetro monitorizado. Também existem sistemas que monitorizam os gases, como por exemplo o oxigénio ou dióxido de carbono, no interior da embalagem.

À semelhança das embalagens inteligentes, as embalagens alimentares ativas também são reguladas através do Regulamento Europeu N.º 450/2009. Estas têm como objetivo principal a interação com o alimento através de sistemas de emissão ou de absorção. Um dos exemplos mais comuns de embalagens ativas com sistema de absorção são as embalagens de carne expostas nos híper e supermercados em que, por baixo da carne, encontra-se um absorvente de humidade com a finalidade de absorver os exsudados que a carne vai largando durante o tempo de armazenamento. Para além destes, existem também absorventes de gases, como o oxigénio ou o dióxido de carbono.

Relativamente às embalagens ativas com sistema de emissão, estas caracterizam-se por libertarem compostos, de forma controlada, para a superfície do alimento, de forma a retardarem a sua degradação natural, prolongarem o tempo de vida útil, mantendo ou melhorando as suas propriedades organoléticas e nutricionais. Como exemplo, temos as embalagens de atmosfera modificada conhecidas junto do consumidor como os pacotes de batata frita. O espaço “livre” desta embalagem está maioritariamente preenchido com azoto para manter a crocância do produto e evitar o desenvolvimento do sabor a ranço. As embalagens ativas de emissão podem também ter compostos aromatizantes, antimicrobianos e/ou antioxidantes.

As embalagens alimentares ativas emissoras podem ser uma solução para, em vez destes compostos serem adicionados no alimento, serem incorporados na matriz da embalagem ou num sistema libertador em contacto com a superfície do alimento. Com este sistema pretende-se uma libertação gradual do composto, sendo que o alimento terá uma menor concentração do composto, diminuindo assim a ingestão do mesmo pelo consumidor, sem pôr em causa a segurança alimentar e o tempo de vida útil.

No INSA, através do DAN, e em colaboração com outras entidades de investigação, realizam-se alguns estudos nesta área. Nomeadamente a incorporação de extratos naturais, obtidos de plantas aromáticas e subprodutos de fruta apenas com etanol e água, em embalagens comestíveis à base de proteína de soro de leite ou embalagens de plásticos biodegradáveis, como é o caso do ácido poliláctico, vulgarmente conhecido como PLA. Estes ensaios têm como finalidade prologar o tempo de vida útil de alimentos com alto teor de gordura, visto serem muito sensíveis à oxidação e ao desenvolvimento do sabor rançoso.

Um caso de sucesso foi a incorporação de um extrato de alecrim numa película à base de proteína de soro de leite. Esta película, para além de se ter mostrado eficaz na redução da oxidação lipídica de salame por um período de 90 dias, apresentou inibição antimicrobiana contra os microrganismos Staphylococcus aureus e Listeria monocytogenes. Efetuou-se também uma análise sensorial que conclui que a película à base de proteína de soro de leite com extrato de alecrim conservou as características organoléticas do salame. Também se recorreu à proteína de soro de leite para formar outra película incorporada com um extrato de chá verde e inibir a oxidação lipídica de salmão fumado. A película com apenas 1 % de extrato de chá verde foi eficaz na redução da oxidação lipídica do salmão, por um período de 14 dias.

Atualmente decorrem estudos com a incorporação destes extratos de alecrim e de chá verde em embalagens de PLA e também a incorporação de extratos obtidos através dos subprodutos de fruta. Estas novas embalagens, mais resistentes do que a película de proteína de soro de leite, apresentam um potencial inibidor da oxidação lipídica da carne de vaca e da amêndoa e, também, de alguns microrganismos patogénicos.

Mariana Alvoco
Departamento de Alimentação e Nutrição, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

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