Desafios e estratégias tecnológicas para a redução dos E 249-252 adicionados aos alimentos 1501

A Agência Francesa de Segurança Alimentar, Ambiental e do Trabalho (ANSES) publicou recentemente um parecer confirmando a associação entre o risco de cancro colorretal e a exposição a nitritos e nitratos. Neste parecer, a ANSES recomenda a redução da exposição a essas substâncias, sendo uma das medidas propostas a redução da sua incorporação em produtos processados. No entanto, esta medida não deve comprometer a segurança microbiológica desses produtos.

Os sais de nitrato e de nitrito são utilizados como aditivos alimentares em produtos processados de carne, peixe e queijo. A sua utilização na indústria justifica-se pelas suas propriedades antimicrobianas, nomeadamente inibindo o crescimento do Clostridium botulinum, bactéria responsável pela intoxicação alimentar conhecida por botulismo. Adicionalmente, estes aditivos ajudam a fixar a cor rosada da carne e na melhoria do sabor. Os nitratos per si têm uma função tecnológica indireta, funcionado como reservatórios de nitritos sendo convertidos nestes últimos por ação de enzimas microbianas.

A utilização de sais de sódio e potássio de nitrito (E 249-250) e nitrato (E 251-252) pela indústria alimentar encontra-se ao abrigo do Regulamento (CE) N.º 1333/2008, nomeadamente a quantidade máxima por peso ou volume de alimento. Os limites máximos atuais são considerados seguros para os consumidores; contudo, as entidades europeias, nomeadamente a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), continuam a avaliar os riscos associados à utilização de nitratos/nitritos, e a adaptar a legislação de modo a proteger os consumidores. Esta avaliação é periódica para acompanhar a nova evidência científica que é produzida. O último relatório da EFSA considera que a formação de nitrosaminas a partir de alimentos com nitritos (nos limites regulamentados) apresenta baixo risco. Nessa avaliação, a EFSA concluiu que a exposição a nitritos e nitratos, enquanto aditivos alimentares, não excediam os valores estabelecidos de ingestão diária aceitável (IDA) (3,7 e 0,07 mg/kg de peso corporal por dia, de nitratos e nitritos, respetivamente). No entanto, concluiu também que caso fossem consideradas todas as fontes de nitrito e nitrato na alimentação e não apenas os aditivos, como os alimentos naturalmente ricos (vegetais) ou contaminados (água potável), o nível seguro IDA poderia ser excedido.

O potencial carcinogénico das nitrosaminas, que são formadas a partir dos nitritos, tem despertado uma preocupação crescente e, por conseguinte, é normal e expectável que haja uma evolução da legislação no futuro. Por outro lado, existe uma pressão por parte dos consumidores para a eliminação dos aditivos alimentares, como parte de uma tendência orientada para o “rótulo limpo” (clean-label), ou seja, produtos alimentares que incluem apenas ingredientes “naturais” no seu rótulo. Esta tendência levou à procura de soluções tecnológicas alternativas ao uso dos nitritos, por parte da indústria alimentar.

No entanto, a redução ou eliminação dos nitratos/nitritos adicionados, nomeadamente em produtos cárneos processados é uma questão complexa, dado o seu efeito na qualidade (textura, cor e sabor) e segurança dos mesmos. A carne é um produto alimentar microbiologicamente muito perecível e, assim, o seu processamento exige a adoção de uma combinação de diferentes operações unitárias (entre as quais, o processamento térmico, a fermentação, a salga, a desidratação, a fumagem, a adição de conservantes e as embalagens), que funcionam como barreiras ao crescimento microbiano, prolongando o seu tempo de vida útil, com qualidade e segurança alimentar. Assim sendo, a redução ou eliminação de uma dessas barreiras, como os aditivos nitratos/nitritos, exige a reformulação desses produtos através da adoção de tecnologias alternativas.

Diversas estratégias têm sido estudadas, nomeadamente o desenvolvimento de alternativas a partir de fontes naturais, como é o caso dos extratos à base de plantas. Dada a elevada concentração de nitratos presente em alguns vegetais, nomeadamente a alface, o espinafre, o aipo e o agrião, estes têm sido estudados como alternativas aos sais de nitrito. Esta estratégia passa pela adição de extratos vegetais juntamente com culturas microbianas, tendo estes últimos a função de reduzir o nitrato a nitrito durante o processo produtivo. Adicionalmente, a maioria dos extratos vegetais possuem compostos fenólicos com propriedades antioxidantes e antimicrobianas, o que potencialmente permite reduzir a quantidade de nitrito necessário para o controlo microbiológico. No entanto, o recurso a este método não é consentido na União Europeia, uma vez que os extratos vegetais não estão atualmente autorizados pelo Regulamento (CE) N.º 1333/2008. Paralelamente, este método apresenta também algumas desvantagens, nomeadamente pode alterar as características sensoriais dos produtos e dificultar o controlo do processo produtivo, uma vez que os extratos de plantas apresentam naturalmente variações no seu teor em nitrato.

Uma estratégia mais promissora passa pela utilização do processamento por alta pressão (High Pressure Processing – HPP), também conhecida como alta pressão hidrostática. O HPP é um processamento não térmico no qual os alimentos embalados são submetidos a altas pressões isostáticas, normalmente entre 400 e os 600 megapascais durante alguns minutos, para inativação de microrganismos patogénicos. Ao contrário do processamento térmico convencional, que afeta negativamente as propriedades dos alimentos, nomeadamente alterando a sua estrutura lipídica e proteica, o processamento por HPP mantem as características sensoriais e o valor nutricional dos produtos, permitindo um prazo de validade alargado. Adicionalmente, minimiza a possibilidade de recontaminação dos produtos, uma vez que é aplicada no alimento embalado. Por esse motivo, o HPP tem vindo a ocupar, progressivamente, novos espaços na indústria alimentar, apesar do investimento inicial elevado para a aquisição do equipamento.

A utilização desta tecnologia é uma estratégia auspiciosa, pela capacidade potencial de reduzir ou eliminar a utilização de conservantes, nomeadamente os sais de nitrito. No entanto, a sua aplicação na reformulação de produtos de carne processada de qualidade, exige uma criteriosa avaliação do seu impacto na segurança microbiológica desses produtos, mas também estudos de viabilidade económica que sustentem essa opção.

André Rosário
Professor Auxiliar Convidado da Nova Medical School | Faculdade Ciências Médicas
Universidade Nova de Lisboa

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