Pedro Graça: “Todos os nutricionistas são Nutricionistas do Ano” 890

Algarvio de gema, Pedro Graça foi estudar para o Porto e deixou-se levar pelos encantos da cidade “invicta”. Sempre ligado à «tomada nutricional», sonha que os nutricionistas portugueses, «gente qualificada», possam «fazer cada vez mais e melhor». O “pai” do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde (DGS) e atual Diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) foi a personalidade distinguida como “Nutricionista do Ano”, na 2ª edição dos Prémios VIVER SAUDÁVEL.

VIVER SAUDÁVEL (VS) | Qual o significado que atribui a esta distinção?

Pedro Graça (PG) | Este prémio foi, progressivamente, ganhando importância na minha cabeça. Não tanto pelo significado específico do prémio, mas pela quantidade de pessoas que me telefonaram, que me escreveram a dar os parabéns. Fui “inundado” por felicitações. Se teve esta visibilidade e este impacto, significa que é importante existirem este tipo de menções para dignificarmos também a nossa profissão e as pessoas que nela trabalham.

Parece-me que a nossa profissão, que é jovem comparativamente com outras na área da saúde, precisa que aqueles que trabalham no terreno, nas várias áreas, tenham voz e sejam ouvidos, sejam lidos, sejam compreendidos e possam, eventualmente, dizer o que é que fazem, porque é que fazem e como é que fazem. Creio que a revista Viver Saudável, nesse aspeto, acaba por nos dar voz, é um espaço de diálogo entre os profissionais e a sociedade civil, e isso, ao acontecer, reforça a nossa profissão.

Costumo dizer, aqui na faculdade, que no dia em que um aluno que se inscreve na FCNAUP, passa a representar-nos a todos, passa a ser nosso porta-voz, nosso estandarte. Portanto, qualquer nutricionista, a partir do momento em que se diz “nutricionista”, representa toda a gente, e um qualquer nutricionista que tenha uma menção, acaba por dignificar todos. Assim como um que faça uma coisa menos boa, também prejudica todos. Como classe ainda temos pouca expressão numérica, portanto, há maior responsabilidade de um, porque um representa todos.

Na gala disse que estava lisonjeado e agradecido pelo reconhecimento, mas que, acima de tudo, este prémio é uma distinção de um percurso. E o percurso nunca somos nós, o percurso somos nós e as circunstâncias. O prémio não é só o prémio de uma pessoa individual, é também das pessoas que me apoiaram – aqui da faculdade, as minhas anteriores chefias e colegas, mas também as pessoas da DGS. O prémio pertence a um conjunto de pessoas. Sejamos honestos, não há ninguém que faça o seu percurso sozinho.

Por outro lado, tive condições ambientais para fazer o meu percurso. Quem chega a um determinado ponto da carreira nunca pode deixar de pensar nos mais jovens, que também têm de ter condições para poderem crescer. Isso para mim, como formador e pedagogo, é uma questão que me preocupa muito. Que condições estão a ter os mais jovens para poderem progredir na carreira? Este, creio, é um desafio muito grande, porque um nutricionista trabalha com uma das coisas mais nobres na nossa sociedade, que é a possibilidade da pessoa se poder alimentar saudável e dignamente.

VS | O que pensa desta iniciativa da revista VIVER SAUDÁVEL?

PG | É um dia em que celebramos a profissão de nutricionista. Houve uma coisa que me deixou muito contente, que é o facto de premiar não só uma personalidade, mas também projetos em várias áreas. Acho isso muito importante, porque permite alargar as atenções para mais gente e também porque enquanto a personalidade do ano é um prémio individual, os prémios para projetos geralmente premeiam equipas, premeiam o trabalho, que é o apanágio também dos nutricionistas aqui nesta casa, a Escola de Nutrição do Porto. Uma característica dos projetos que ganharam, é que são geralmente constituídos por equipas multidisciplinares, compostas nalguns casos por nutricionistas, médicos, psicólogos, enfermeiros ou, então, profissionais da restauração, portanto isso permite demonstrar também a riqueza da profissão. Diria que é uma mais-valia enorme e fiquei muito contente por existir essa parte simbólica de premiar projetos na sociedade que estão a ser implementados e que fazem a diferença. Acho a Viver Saudável vai ter muitas oportunidades de entrevistar muita gente boa porque nós temos gente belíssima a trabalhar de Norte a Sul, a fazer coisas excecionais. Todos os nutricionistas são Nutricionistas do Ano.

VS | Alguns dos argumentos para vencer este prémio prendem-se com o facto de ter passado grande parte do seu percurso profissional a promover a nutrição, os nutricionistas e a saúde dos portugueses. Como começou esta história?

PG | Vamos começar por aquilo que nos une enquanto estudantes que vêm do ensino secundário e entram aqui no curso de Nutrição, que é o desejo de ajudar os outros. Acho que este desejo é comum às profissões de saúde, ser útil ao outro e poder ajudar o outro a melhorar a sua saúde.

Depois de entrarmos, há coisas que nos começam a moldar e a diferenciar. Quando cheguei à Escola de Nutrição do Porto, alguns anos depois do 25 de Abril de 1974, surgiu a questão da intervenção comunitária, de melhorar as comunidades e melhorar a saúde das pessoas. Comecei então a interessar-me, mais do que tratar pessoas individualmente, em intervenções que pudessem fazer a diferença em muitas pessoas ao mesmo tempo.

Uma das figuras que me chamou a atenção foi o Professor Emílio Peres. Ele era um homem com muito interesse pessoal, muita piada, e além disso era uma pessoa que se caraterizava precisamente por não só tratar, enquanto médico endocrinologista, individualmente as pessoas, mas escrever sempre numa lógica daquilo que podemos fazer para mudar a sociedade. Ele passou-nos o “bichinho” que não estamos cá apenas para tratar de indivíduos, mas também para tratar de populações. Eu, particularmente, tive a oportunidade, a sorte de ser seu secretário-geral quando ele assumiu a presidência da Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação (SPCNA). Tive a oportunidade de conviver mais de perto e absorver também muito do seu pensamento e forma de estar.

O segundo momento que me ajudou a transformar toda a minha forma de ver as coisas, foi quando fui fazer o meu mestrado em Lisboa, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), em Saúde Comunitária, e contactar com uma segunda figura da Saúde Pública e da Nutrição em Portugal, o Professor Francisco Gonçalves Ferreira.

O Professor Emílio Peres será talvez o pai da alimentação e do ensino da alimentação, o pai dos nutricionistas portugueses. E o Professor Francisco Gonçalves Ferreira será talvez o pai da nutrição.

Outra personalidade que influenciou muito a minha formação profissional foi o Professor José Luís Castanheira, que era um destinto médico de Saúde Pública, mas que tinha acabado de vir dos Estados Unidos e vinha com uma ideia diferente do que era a Saúde Pública, com escola na promoção da saúde de Ottawa. Portanto, todo este grupo de pessoas, a Escola de Nutrição do Porto e depois a ENSP teve um impacto grande em mim.

O meu terceiro e forte impacto foi a oportunidade que tive de me doutorar e de contactar com pessoas, nomeadamente em Inglaterra e na Noruega, que trabalhavam as questões de Saúde Pública, o que me trouxe muito know-how e muito conhecimento, nomeadamente, a perceção do que é a Saúde Pública integrando Ciências Sociais. Lidei com pessoas que estavam ligadas à Sociologia e à Sociologia da Alimentação, deram-me um conhecimento diferente.

Posteriormente, há um quarto momento, que foi quando comecei a trabalhar na FCNAUP. E tenho de mencionar aqui duas pessoas que foram muito importantes. Ainda recém-chegado a esta casa, já depois de ter estado em Lisboa a fazer o mestrado, o Professor Norberto Teixeira Santos, que na altura era o diretor da faculdade, convidou-me para lecionar uma disciplina na área da Política Alimentar. Na altura chamava-se Economia e Política Alimentar. Foi numa altura em que a Política Alimentar ainda não era entendida como uma disciplina ou como uma área principal dentro da própria Nutrição. Posteriormente, a Professora Maria Daniel Vaz de Almeida, que foi diretora da faculdade durante muitos anos. Tanto um como o outro – um que me iniciou, outro que me possibilitou esse crescimento – deram-me a possibilidade de eu continuar a ser regente e responsável desta unidade curricular há mais de 25 anos.

VS | Alguns dos seus primeiros alunos recordam o tempo em que não existia uma Política Nutricional e Alimentar em Portugal, mas havia um professor que tinha a “ousadia” de a ensinar e criar países fictícios para que esses alunos pudessem explorar estas matérias. Que memórias guarda desses tempos?

PG | Começámos a ensinar esta unidade curricular de uma forma muito precária, porque na altura tínhamos muito poucos dados estatísticos que nos permitissem construir políticas públicas nesta área. Tínhamos tido um Inquérito Alimentar Nacional em 1980, mas não tínhamos dados atualizados, não tínhamos informação. Esta é a atividade, nestes últimos anos, que posso considerar mais gratificante no meu percurso docente, porque temos a possibilidade de fomentar a consciência política nos nossos estudantes – quando digo “consciência política”, refirmo-me a uma consciência de políticas públicas, do bem público, de intervenção pública.

Temos vindo a fomentar a ideia de que a alimentação e a nutrição são “armas” para modificarmos os comportamentos das pessoas na esfera da saúde pública. O nosso objetivo último é que as pessoas passem a comer mais saudável, de forma mais adequada. No entanto, a modificação desses comportamentos, em muitos casos, é condicionada por dois vetores muito fortes. O primeiro vetor é a capacidade individual, a capacidade que as pessoas têm de comer bem, adquirir conhecimento, saber onde é que estão os produtos, saber ler rótulos. O segundo vetor, onde tenho trabalhado muito nos últimos anos, é o que determina que quando a pessoa o quer fazer tem condições para o fazer.

Como dizia Amartya Sen, Prémio Nobel da Economia, estamos sempre muito condicionados pela capacidade de troca. A capacidade de troca é o mais importante, ou seja, trocarmos o trabalho que produzimos e o que ganhamos por esse trabalho por coisas que a queremos ter acesso, nomeadamente o alimento. Ora, quando essa capacidade de troca é diminuída em algum momento, pode inclusive aparecer fome e pode existir insegurança alimentar, mesmo existindo alimentos. Os trabalhos que desenvolveu, nomeadamente na Índia, levaram-no a concluir que em determinados momentos, naquele país, morreram milhões de pessoas à fome, mas existiam alimentos. Porquê? Porque em determinado momento da nossa história a nossa capacidade de trocar o trabalho pelo alimento reduziu-se. O valor do trabalho diminuiu drasticamente, e isso está a acontecer hoje nas nossas sociedades ocidentais. Como há uma inflação enorme nos produtos alimentares, a nossa hora de trabalho cada vez permite comprar menos alimentos. O rendimento até pode aumentar um bocadinho, mas se o produto que vamos comprar aumentar muito, continuamos a ter uma capacidade reduzida de troca. E foi a partir desse trabalho e da teorização em torno disso que começámos aqui a discutir a Política Nutricional e Alimentar.

O acesso ao alimento saudável tem de ser fácil, ele tem de estar disponível, tem de ser barato, inclusivamente temos de evitar barreiras ambientais para que a pessoa possa ter acesso ao alimento. Uma barreira que a maior parte das pessoas não reconhece, e que nós temos trabalhado muito nos últimos anos, é a barreira publicitária. Ou seja, se a pessoa quando vai comprar um produto fresco, um hortícola ou uma fruta, tiver ao lado um alimento de pior qualidade nutricional, altamente publicitado, com um brinde, com uma redução de preço, com uma promoção, é muito natural que a escolha seja pelo outro produto. A publicidade foi uma das “guerras” que eu tive na DGS, lutar para termos uma lei que impedisse a publicidade desregrada a pessoas mais frágeis e influenciar essas pessoas, nomeadamente as crianças. E a lei que veio proibir a publicidade nos canais de televisão nos horários em que as crianças têm acesso é uma lei protetora e que promove a melhoria do ambiente à nossa volta.

Fazendo aqui um último ponto de situação sobre as políticas públicas… Em 2012, tive a possibilidade de transformar todo esse know-how e começar a construir uma política pública na área da alimentação, com o PNPAS. Os quase dez anos que estive na DGS – comecei em 2009 ainda no antigo programa, a Plataforma Contra a Obesidade – foi uma oportunidade de transformar essa riqueza teórica que tinha em aplicação prática, em intervenção na sociedade. Tenho tido a felicidade de teorizar, aplicar na prática e, depois, voltar a teorizar. Agora estou regressado à faculdade e muito daquilo que leciono e muito daquilo que ensino tem a ver com o conhecimento da intervenção no terreno que tive durante estes anos.

VS | 25 anos depois do início do ensino de Política Nutricional, como está o país nesta matéria?

PG | Diria que há aqui um misto de contentamento e insatisfação. Digo isto neste sentido: se, por um lado, o PNPAS é muito valorizado pelas instituições internacionais, pela Comissão Europeia (CE), pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo reconhecido como um programa de referência, o que é difícil porque somos um país pequenino, por outro lado, a nossa profissão ainda está à procura do reconhecimento que merece internamente, ainda não está onde devia estar. Existe esta dualidade. Ou seja, nós hoje temos um programa que é conduzido por uma nutricionista com aspetos formais que dizem muito respeito à nutrição que são reconhecidos internacionalmente como de uma elevada valia e, ao mesmo tempo, ainda temos a nossa profissão a necessitar de ser mais reconhecida dentro das profissões de saúde. Acho até que com a covid-19 podíamos ter ganho uma determinada importância que nunca chegámos a ganhar.

VS | E porquê? Como avalia a intervenção dos nutricionistas durante a pandemia?

PG | A covid-19 veio fortalecer a minha convicção, e de muitos peritos e pessoas que trabalham nesta área, de que o estado nutricional é fundamental, não apenas nas doenças crónicas. Atualmente, Portugal não pode combater as doenças crónicas sem um investimento fortíssimo na alimentação. A obesidade, a diabetes, a hipertensão, a doença oncológica, a doença cerebrovascular, são todas altamente afetadas pelo estado nutricional.

A segunda questão tem a ver com os problemas de desnutrição que afetam uma larga margem da nossa população, nomeadamente os idosos que estão em altíssimo risco nutricional. Aqui, a participação do nutricionista é fundamental, seja nos hospitais, seja em outras unidades de saúde.

E depois, a novidade que a covid-19 trouxe: a doença infeciosa. Ou seja, nós percebemos, e tenho a certeza de que outras patologias infeciosas vão sublinhar esta questão, que as populações mais afetadas pela covid-19 são aquelas mais desreguladas metabolicamente, onde uma alimentação adequada é um regulador metabólico fundamental.

Onde é que a covid-19 fez mais estragos? Na população obesa, diabética, hipertensa. Ao mesmo tempo, demonstrou que estas doenças crónicas têm também um impacto muito grande na capacidade de o organismo lidar com a infeção.

Às vezes, tínhamos a tendência de colocar alimentação e doença crónica de um lado, e deixávamos as infeções de outro. Mas a doença infeciosa é altamente condicionada pelo estado nutricional e isso remete para a intervenção global, 360 graus, do nutricionista na sociedade em todas as patologias.

Os nutricionistas fizeram um trabalho excecional na covid-19, estiveram na linha da frente e integraram as equipas que lidaram com doentes críticos, que tiveram de receber cuidados especializados. Os nutricionistas estiveram a trabalhar na área da nutrição artificial, tiveram um papel muito importante em manter pessoas vivas através dos cuidados nutricionais.

Nos cuidados de saúde primários, os nutricionistas trabalharam com populações infetadas com covid-19, ajudando-as a manterem um estado nutricional adequado e a reduzirem os quadros inflamatórios. A parte alimentar foi fundamental.

VS | Há pouco falou de Emílio Peres, Francisco Goncalves Ferreira, José Luís Castanheira, Norberto Teixeira Santos e Maria Daniel Vaz de Almeida. Tem outros “mestres” na Nutrição?

PG | Eu tenho estas cinco referências. E depois tenho a referência de pessoas com quem trabalhei e com quem aprendi muito, e gostava aqui de sublinhar o Dr. Francisco George e a Dra. Graça Freitas, pessoas com quem aprendi muito na DGS. Geralmente temos a tendência de dizer que aprendemos muito com pessoas mais antigas, mas gostava de dizer também que tenho vindo a aprender, muito frequentemente, com os meus colegas do dia a dia, com os meus colegas de direção. Tive uma anterior direção de pessoas excelentes, que durante a pandemia nos ajudámos muito. Tenho mesmo de os nomear, o Professor Alejandro Santos, o Professor Vitor Hugo Teixeira, a Professora Maria João Gregório, a Dra. Bárbara Pereira, a Dra. Marta Azevedo, tudo gente mais nova ou da minha idade, mas nós aprendemos diariamente uns com os outros. E depois os nossos alunos, que muitas vezes são fonte de inovação e criatividade.

Gostava de sublinhar que me sinto sempre ligado à “tomada nutricional”, todos os dias, a toda a hora. Gostava de dizer que tenho sido um privilegiado porque tenho tido a possibilidade da minha família tolerar – a palavra é mesmo essa “tolerar” – o investimento destes anos todos, de estar tantas horas ligado a isto, a pensar isto e a falar sobre isto, e nas minhas horas livres a escrever sobre alimentação, sobre nutrição. Quando estive na DGS, só vinha a casa praticamente aos fins de semana. E fiz isso sempre até muito pro bono, parte do trabalho que fiz na DGS nem sequer foi remunerado. Este gosto e este interesse por esta causa tem consequências, e uma das consequências é que rouba tempo à nossa família. Portanto, há que dar sempre um agradecimento à família. Como o tempo não estica e não somos génios, é à família que temos de retirar tempo e companhia. É a família que nos suporta, que nos apoia, e são eles os sacrificados nesta luta contra o tempo.

VS | A paixão pela causa pública está bem patente no trabalho de desenvolveu na DGS. Esteve na génese do PNPAS e lançou as bases para uma série de medidas fundamentais, como a redução de açúcar e sal nos alimentos. Que balanço faz deste período?

PG | Acima de tudo, o PNPAS tem hoje este reconhecimento intervencional e tem hoje esta capacidade pelo facto também da atual diretora do programa estar a fazer um trabalho notável. A Professora Maria João Gregório não está ligada a uma “tomada nutricional”, está ligada a duas! Ela vive 24 horas para a causa da Nutrição.

E também sublinhar uma coisa, o PNPAS deve muito não só ao Dr. Francisco George, mas também ao Dr. Paulo Macedo, que era o ministro da Saúde, e ao Dr. Fernando Leal da Costa, que era o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, que foram pessoas muito importantes no início.

O PNPAS aparece numa circunstância curiosa, aparece numa altura em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) estava em Portugal e nós estávamos a viver uma crise dramática, e o Dr. Paulo Macedo e o Dr. Fernando Leal da Costa tiveram a coragem e a ousadia de lançar este programa.

Quando começo a definir e a construir o programa, o país estava numa profunda depressão. Nós tínhamos reuniões quase semanais no Ministério da Saúde, confesso que eram reuniões dramáticas, em que saíamos de lá todos angustiados, porque o dinheiro podia acabar amanhã e o programa podia fechar de um momento para o outro. Em 2012, o país estava numa crise económica fortíssima, e o PNPAS é construído dentro dessa crise.

Uma coisa que também gostava de sublinhar sobre o programa, já que se falou da questão dos conflitos de interesse. Quando entrei em 2012 para o PNPAS ou até antes, quando assumi o meu cargo de direção na DGS, eu fazia algum trabalho privado e a primeira coisa que fiz foi, por questões de conflitos de interesse, largar tudo. E creio que também isso deu força ao programa. Essa independência também ajudou o programa a manter-se, inclusivamente convivendo com diversos governos.

Hoje, as políticas públicas ganham expressão, ganham força, ganham consistência, ganham qualidade, quando podem ser pensadas a dez anos, como agora pensámos o PNPAS 2022-2030, e não em função dos pequenos ciclos políticos. Só assim há um pensamento estratégico, há a possibilidade de construímos modelos em função de um objetivo que, neste caso, é a melhoria do estado nutricional da população, e não de objetivos pequeninos que podem passar por lógicas partidárias. Acho que estamos no bom caminho, porque mesmo quando vamos discutir isto a nível europeu, é completamente diferente termos uma estratégia que leva dez anos e que está consolidada e adaptada, obviamente às respetivas avaliações, do que aqueles países que de dois em dois anos estão a mudar a estratégia, as pessoas, etc. Agora há que ter cuidado para não solidificar, para não criarmos dinossauros, para sermos capazes de nos avaliar.

Já agora, o PNPAS fez uma coisa que nós também gostávamos um dia de fazer aqui na faculdade, uma coisa quase inédita em termos de políticas públicas: muito recentemente, foi avaliado por um comité de peritos internacionais independentes. Portugal ficou muito bem colocado. Portanto, essa questão de nós podermos ao longo do nosso percurso profissional ser avaliados por outros, ser confrontados por outros, ser comentados por outros, ser instigados a ser melhores por outros, ser comparados com outros, ir lá para fora e mostrar o que fazemos, acho que é uma questão muito importante.

VS | A guerra, a crise económica e social que vivemos nos dias de hoje… Que papel pode ou deve ter o nutricionista neste campo?

PG | A Ciência nunca deve deixar de estar comprometida com causas sociais. A Ciência não é totalmente independente nesse sentido, nós fazemos Ciência para melhorar o conhecimento, mas esse conhecimento se não for transformado em algumas conquistas, em algumas melhorias sociais, pode ser útil, mas não ganha toda a expressão plena. O objetivo último da Ciência é poder contribuir para a melhoria da nossa vida, da saúde do planeta e de todos nós. Portanto, quando me falam das questões da guerra ou das questões do sofrimento e o papel do nutricionista, diria que a maior parte das guerras começam por questões de posse e questões de comida. O exemplo da atual guerra na Ucrânia não é muito diferente. Por alguma razão, os locais que neste momento estão sob disputa são dos terrenos mais ricos do ponto de vista da produção de trigo. Por isso é que aquela zona é disputada em guerras há milhares de anos. O acesso ao alimento e à água estão na base de muita disputa de território e da maior parte das desgraças que nós hoje vivemos.

Posto isto, os nutricionistas, que são os profissionais do alimento, estão quase sempre no centro das disputas. Nós hoje temos um número crescente de estudantes da FCNAUP que estão envolvidos nomeadamente em organizações não governamentais (ONG), que lidam com a questão da distribuição de alimentos. Nós temos aqui muitos alunos nossos a irem para África, para a Ásia, para o Médio Oriente para trabalharem em ONG ligadas ao acesso ao alimento, à melhoria da qualidade nutricional. O nutricionista tem de estar preparado, tem de estar capacitado para estar nestes locais no terreno, porque não só a fome dá origem às guerras, mas as guerras têm como consequência a fome. E agora com uma terceira dimensão, que vai ser um dos principais condicionadores da fome, as alterações climáticas. Portanto, diria que a loucura do Homem, a ganância e as alterações climáticas juntaram-se para criar um cenário onde os nutricionistas vão ser muito importantes no futuro, ainda mais do que são hoje, não tenho dúvida nenhuma. Têm é de estar capacitados para trabalhar nestes sítios, porque os nutricionistas que vão para estes sítios não vão tratar pessoas individualmente, na maior parte dos casos. A dimensão das catástrofes faz com que, de um modo geral, eles sejam, acima de tudo, grandes gestores de logística, tenham de perceber como é que se transporta o alimento, como é que se acondiciona, como é que depois se distribui para existir equilíbrio nutricional.

VS | É um dos grandes defensores da Dieta Mediterrânica, padrão alimentar que está “perigo de extinção”. O que pode ser feito para reverter esta situação?

PG | O modelo alimentar mediterrânico está de baixo de alguma pressão porque, em primeiro lugar, esta forma de comer é uma forma de comer herdada e mantida culturalmente. A Dieta Mediterrânica é um estilo de vida, e como o estilo de vida está a mudar, obviamente que a dieta também está a mudar. Portanto, não é possível enquistar determinados hábitos alimentares porque o mundo mudou. E quais são as maiores ameaças? Acima de tudo, há um modelo social, de trabalho que mudou. No passado, as pessoas viviam no campo, tinham acesso aos seus próprios alimentos, produziam os seus próprios alimentos, e nós hoje temos 2/3 da população em cidades, junto ao litoral. Portanto, com este novo modelo de vida, o modelo alimentar que se manteve tradicionalmente nos últimos 2 mil anos vai mudar, imensuravelmente. Não há volta a dar. Hoje, as mulheres, que eram a base da alimentação mediterrânica, assumem um papel de liderança e de preponderância no mercado de trabalho. Já não há aquela passagem de informação de mãe para filha. As pessoas que produziam os alimentos e tinham um certo know-how, deixaram de o ter. Já ninguém tem tempo para estar três horas na cozinha a fazer comida. Portanto, há, de facto, uma mudança social, há uma mudança cultural, há uma mudança geográfica, há uma mudança demográfica, porque nem sequer há filhos a quem passar a informação, porque os casais novos têm menos filhos ou não têm filhos de todo. Face a essa mudança societal, é natural que o modelo alimentar mediterrânico esteja de baixo de pressão.

VS | Como é que podemos gerir esta questão dado que não podemos mudar o mundo mediterrânico?

PG | Nós gostaríamos que este modelo alimentar se mantivesse porque é um modelo alimentar que tem duas características: ambientalmente sustentável, ou tendencialmente sustentável, e protetor da nossa saúde. Então, vamos tentar manter este modelo alimentar, visto que ele tem vantagens. Como não podemos mudar a sociedade, diria que nós agora temos de arranjar formas de promovê-lo, ensiná-lo, e aqui o papel do Estado é muito importante, já não é só das famílias. Diria que uma das questões primárias é que através da educação existam condições para se aprender a Dieta Mediterrânica, permitindo que os mais novos possam contactar com os alimentos, possam provar a alimentação mediterrânica desde muito cedo nos menus – agora que os municípios têm a capacidade de interferir na alimentação escolar, este modelo mediterrânico estar presente na vida de uma criança.

Em segundo lugar, o papel do ambiente. O que podemos fazer é permitir ou valorizar que esses produtos sejam de fácil acesso e estejam disponíveis, e que a sociedade civil os promova. Fico muito contente quando cadeias de hipermercados estão interessadas em promover estes padrões alimentares, por exemplo. A própria indústria alimentar modifica os produtos para que o nosso azeite, as nossas amêndoas, os nossos produtos vegetais possam cada vez mais estar presentes à mesa dos portugueses. Isso tem a ver com o acesso, tem a ver com o preço.

VS | Ou seja, é necessário incorporar os alimentos que pertencem à Dieta Mediterrânica na nossa alimentação.

PG | É o trabalho que andamos a fazer agora nas políticas púbicas. Aqui na faculdade, estamos a criar a Roda da Alimentação Mediterrânica, estamos a criar jogos interativos para que as pessoas percebam isso, estamos a fomentar os menus nas escolas e nas universidades para que possam ter pratos do mediterrânico – pratos que têm, por exemplo, as nossas favas, as nossas ervilhas, as nossas couves. Diria que cada nutricionista tem de fazer o seu papel de pedagogo, de modelo.

VS | Depois do PNPAS, ficou à frente dos destinos da “Casa da Nutrição”. Que desafios encontrou quando aqui chegou?

PG | Tivemos um mandato muito difícil. Foram, talvez, os quatro anos mais duros de qualquer direção da FCNAUP, com a covid-19, com as novas instalações, com os novos cursos, com a reformulação curricular, tudo ao mesmo tempo. Nós somos, neste momento, uma das poucas instituições europeias dedicadas exclusivamente à Nutrição, e com tudo de novo que isso tem, meter uma casa destas a funcionar é desafiador, porque ninguém sabe como fazê-lo. Eu estou quase a viver com a “Casa da Nutrição” aquilo que vivi com a Política Nutricional no princípio. Ou seja, criámos um modelo (que ainda era um bocado teórico: ter uma casa) e agora que a temos, andamos à procura dos laboratórios mais adequados, do perfil mais adequado de funcionários para este modelo, dos cursos que devemos adaptar mais a este modelo. Estávamos a iniciar este processo e com a pandemia as pessoas em quem nós estávamos a “experimentar” este modelo, desapareceram – estudantes, professores, funcionários. Entretanto, tudo mudou e estamos agora no segundo mandato. O que é que pode ser importante dizer sobre a “Casa da Nutrição” neste momento? O nível de exigência de todos os que trabalham nesta área tem de continuar a ser muito elevado.

VS | Voltou, recentemente, a ser eleito diretor da FCNAUP. Manter a fasquia elevada é uma das “batalhas” para os próximos anos. Quais são as outras?

PG | O primeiro grande desafio do nosso ensino é precisamente o desafio da qualidade. Há aqui este desafio premente de manter a qualidade e o grau de exigência, isso parece-me fundamental, mesmo correndo o risco de não sermos populares. Temos de ter essa capacidade de ensinar, de capacitar os nossos estudantes.

O segundo grande desafio que temos pela frente é saber como é que a escola pública vai, nos próximos anos, conseguir atrair os melhores – este é um desafio também da saúde em Portugal, é um desafio de tudo o que é público. Com uma concorrência externa cada vez maior, a vários níveis, como é que nós podemos continuar a atrair os melhores (alunos, professores, investigadores) para a nossa instituição.

O terceiro grande desafio tem a ver com o facto de nós termos uma casa pela primeira vez. Sendo uma instituição única no país que tem esta casa, devemos colocá-la ao serviço da comunidade. Nós temos uma população aqui à nossa volta que precisa muito de nós e as faculdades e as instituições de ensino não podem ser montanhas de cristal, desligadas das comunidades. Para além da pedagogia e do ensinar, para além da produção científica, a nossa terceira missão é sermos úteis à sociedade. Esta casa tem de ser “Casa da Nutrição e da Alimentação”, tem de estar à disposição da cidade, da região e do país. Espero que em breve possamos ter o serviço de consultas de nutrição, para conseguir associar a formação de pessoas com o serviço à comunidade.

VS | No próximo ano, teremos eleições na Ordem dos Nutricionistas (ON). Está nos seus planos apresentar uma candidatura?

PG | A ON é uma gémea das faculdades. Se nós não tivermos uma profissão forte, as faculdades estão a formar pessoas para nada. Dou muita importância ao cargo de bastonário, porque me parece importantíssimo para aquilo que nós fazemos aqui. Acho que as ordens profissionais são fundamentais para a sustentação da profissão, mas eu, neste momento, não tenho, como é óbvio, qualquer interesse em ir para a ON. Acabei de ser reeleito e, portanto, o meu compromisso nos próximos quatro anos é com esta casa. Ainda há aqui muito trabalho a fazer, não vale a pena “cavalgar dois cavalos ao mesmo tempo”.

VS | Neste momento, está fora de questão. E num futuro mais longínquo?

PG | Não sei. Até lá muita coisa vai acontecer. Eu ando sempre a dizer que temos de dedicar mais tempo à família. Pensando no futuro, gostava muito de ter tempo para escrever sobre a história da alimentação, sobre a alimentação mediterrânica, sobre a sua sobrevivência. Quando surge a oportunidade, tenho tentando fazer pequenos ensaios sobre estes assuntos no nosso blogue – “Pensar Nutrição”.

O nosso cérebro, à medida que o tempo passa, e ao contrário do que dizem, não vai para melhor. Eu não acredito nada naquela ideia de que uma pessoa quando envelhece fica cada vez melhor, acho que fica cada vez pior. (risos) Às vezes nota-se é menos, mas pior fica sempre. Portanto, gostava de ter tempo para poder escrever, para poder ler mais. Ando desesperadamente à procura não de me reformar, mas de ter tempo para fazer coisas que me dão um determinado prazer que não encontro noutras coisas que faço.

VS | Que perfil deverá ter o/a próximo/a bastonário/a?

PG | Escrevi há tempos sobre isso. De futuro, a profissão precisa, de facto, de um bastonário ou uma bastonária muito ativo/a e muito capaz de uma intervenção, principalmente de uma intervenção naquelas áreas que são para mim as áreas mais críticas, as áreas da saúde, da clínica. Acho que aí nós precisamos de ter muita força. Um profissional com esse perfil, com uma capacidade de uma intervenção vigorosa nas questões da prestação de cuidados de saúde por parte do nutricionista e posicioná-lo bem no meio das outras profissões de saúde, isso é determinante. Que venha alguém que tenha essa capacidade.

VS | Quais são os grandes desafios que se colocam aos nutricionistas portugueses?

PG | Os nutricionistas portugueses são profissionais altamente qualificados, altamente capazes. Não tenho dúvidas nenhumas que a nível europeu é gente muito bem formada. Portanto, temos gente bem qualificada em Portugal, estou muito contente que isso aconteça. Quais são os desafios? Uma profissão constrói-se quando as pessoas estão no tereno a trabalhar, precisamos de ter mais pessoas a trabalhar no terreno, a fazer o que elas foram formadas para fazer. A profissão de nutricionista vai crescer e vai ganhar força quando existir um enquadramento legal forte para que estas pessoas que trabalham no terreno sejam reconhecidas. Portanto, um desafio para o futuro é a construção desse quadro legal onde nós temos o dever e depois o direito de participar enquanto membros de uma sociedade que faz melhor, com mais saúde. Este é o meu sonho, é o meu desafio, que esta gente qualificada possa fazer cada vez mais e melhor.

Em paralelo, o segundo desafio reside no facto de a nossa profissão ser uma das profissões que tem sofrido uma tremenda influência da sociedade, por uma razão: a alimentação influencia muito o estado de saúde e a qualidade de vida das pessoas e, portanto, muitos se têm apropriado de parte deste conhecimento para de repente se transformarem em “nutricionistas”. Há hoje um conjunto de milhares de portugueses que são “treinadores” de futebol e que vão para a televisão dizer como é que o Ronaldo deve jogar, e depois temos outros milhares de “nutricionistas”, que dizem o que devemos comer, como devemos comer, etc. Há um conjunto de profissões que se popularizaram, mas esse sucesso também é um fator de risco. Esta ideia de que conseguimos autoqualificar-nos e separar-nos da bolha social e da rede social que dita o que se come e o que não se come, é um desafio tremendo para a nossa profissão, até porque podemos ser muito tentados – é como o anel do “Senhor dos Anéis”. Os nutricionistas devem sair da bolha dos influencers, sair cá para fora com a nossa Ciência da Nutrição, que nem sempre é popular.

VS | Também há nutricionistas influenciadores.

PG | Sim, por isso é que é preciso o tal quadro legal. E depois é preciso transparência e ética. E a separação entre o que é vender o produto e o que é vender Ciência.

VS | Esse quadro legal terá de partir da ON?

PG | Sim, a ON deve lutar por ele. Na academia temos de ajudar a construí-lo, criando a nós próprios quadros legais e quadros de regulação do nosso relacionamento com o mundo exterior, porque nós estamos interligados com a sociedade.

Por que devo apoiar um determinado produto e não devo apoiar outro? Será legal? Se for o produtor de couves eu apoio, mas se for o produtor de alfaces não? Como é que me posiciono face a isto? Internamente estamos a fazer esta análise e vamos continuar a fazê-la nos próximos tempos, porque é a partir desta discussão que depois podemos ajudar a Ordem e outros organismos a definir os seus quadros.

VS | Quer lançar algum desafio aos seus colegas nutricionistas?

PG | Aqueles que hoje estão a atingir alguma maioridade nas áreas onde desempenham as suas funções (aqui estou a falar dos nossos professores), deviam escrever mais e deixar escrito o seu pensamento, porque nós temos uma profissão muito jovem, que precisa de ler e precisa conhecer o pensamento daqueles que já estão cá há mais tempo. E nós publicamos muito conhecimento científico, que é importantíssimo, mas não estamos a dedicar muito tempo à escrita de percursos de vida, de percursos profissionais, de pensamento estratégico sobre a profissão. Que dediquem um bocadinho mais de tempo para a profissão também ter uma alma e não ter apenas Ciência, que de hoje para amanhã desaparece, porque há de vir sempre outra que a vai destronar.

Era bom que alguém refletisse sobre a realidade, sobre a paisagem alimentar e nutricional, e deixasse essa reflexão escrita para memória futura, para a fundação da profissão. Os pilares do conhecimento assentam também nos pilares do funcionamento e do dia a dia – como é que se fez, como é que aconteceu, porque é que não deu resultado, porque é que acha que daria. Este tipo de reflexão e pensamento, ao lado do pensamento científico, é muito importante.

VS | Como é que se alimenta o Nutricionista do Ano?

PG | Boa pergunta! (risos) A primeira questão que qualquer nutricionista deve ter na sua cabeça é comer sem culpa e não pensar demasiadamente no assunto. O nutricionista deve-se relacionar de uma forma natural e normal com a comida, e eu, felizmente, tenho esse relacionamento de normalidade com a alimentação. Comendo na maior parte dos dias muito equilibradamente e comendo noutros dias desequilibradamente.

A segunda questão, seguindo os princípios da Dieta Mediterrânica, eu diria que, no meu caso em particular, é não permitir que a minha vida complicada, muito incerta e desregulada – nunca sei onde vou comer –, afete os meus ritmos alimentares e me impeça de ter uma alimentação saudável. Ou seja, ter refeições onde possam estar presentes uma sopa e uma peça de fruta.

Por último, dar-me ao luxo de, de vez em quando, poder comprar os meus alimentos onde gosto de os comprar e ter tempo para cozinhá-los da forma que gosto de os cozinhar, e também progredir um bocadinho nesse conhecimento culinário que deve fazer parte da cultura de qualquer nutricionista.

VS | Já que não pode cultivar as couves…

PG | Já que não as posso cultivar, ao menos que as possa comprar a produtores que conheço e que gosto, e, ao mesmo tempo, cozinhar. Esta questão da normalidade alimentar, de termos ainda a possibilidade de voltar um bocadinho aos nossos gostos, de poder ter a sopa à mesa, de poder ter o nosso azeite à mesa, de poder ter o nosso pescado à mesa, acho que são coisas que não vale a pena ensaiar muito. O engraçado disto tudo é que uma alimentação de qualidade se faz muito mais de coisas banais do que de coisas esotéricas. Infelizmente, para descontentamento de muitos, posso dizer que a alimentação saudável é uma alimentação muito banalzinha. (risos)

VS | É o back to basics.

PG | É isso mesmo, é o básico. Não vale a pena inventar muito, porque apesar de o conhecimento nutricional ter evoluído muito nos últimos tempos e haver muita coisa nova a acontecer, os princípios da alimentação saudável mantêm-se e mantém-se aquele que é o primeiro princípio da Dieta Mediterrânica: a frugalidade. A maior parte das pessoas esquece-se que o princípio básico para uma alimentação equilibrada é comer só aquilo que precisamos.

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