Santa Nutricionista, a Milagreira 592

Junho marca o início da época balnear, e com as altas temperaturas vêm também as roupas mais curtas. É tempo de expor o corpo, ao sol e aos outros, por isso, das duas uma: ou se reconhece que passou mais um ano e não se fez nada para perder aqueles quilos que incomodam, ou tenta-se o milagre de perder em dias o que se adiou por meses. E porque junho também é mês de Santos Populares, começam as romarias à Santa Nutricionista, a Milagreira.

À semelhança do que acontece com Santa Bárbara, de quem só se lembram quando faz trovoada, também os devotos de Santa Nutricionista apenas aparecem na consulta quando o fato de banho revela os quilos que queriam ter perdido. Os pedidos de milagre podem ter várias formas, mas geralmente passam por juras de fazer o que for preciso para se livrarem da gordura adicional. Isso inclui beber água quente com limão em jejum, tomar todo o tipo de “chás queima gorduras” e, claro, o exorcismo típico, que consiste em eliminar hidratos de carbono um mês inteiro – ou o tempo que for preciso, quando a aflição é muita! Também há promessas de não comer depois das 18h00, comer alfaces à dúzia e fugir de bolos ou gelados como o diabo da cruz! Por fim, a devoção à Santa Nutricionista só fica completa com muita transpiração! Pessoas que passam o ano inteiro frente ao sofá ou agarradas ao telemóvel, começam a correr todos os dias, de preferência com 3 casacos impermeáveis e debaixo de sol, para “queimar mais gordura”…

Todas estas crenças e práticas, mais ou menos comuns e ainda persistentes nos nossos dias, poderiam fazer-nos rir, se não fossem tão tristemente sérias naquilo que significam. Senão, vejamos: como explicar que, apesar de todos os esforços para fomentar melhores escolhas alimentares, continue a haver quem acredite em milagres para a perda de peso? Como explicar que continue a existir procura por substâncias para emagrecimento já retiradas pelas autoridades de saúde, devido aos riscos que representam para a saúde (como a recente venda de sibutramina identificada pelo INFARMED)? Na Europa do século XXI, não seria expectável um maior grau de literacia em saúde?

Talvez a resposta para estas questões passe pelo facto de o discurso dos nutricionistas, baseado em evidência, não ser tão “apelativo” e suficientemente divulgado. De facto, o tráfego de canais com mensagens de saúde válidas (como o “Nutrimento” do PNPAS/DGS) ainda é menor que as publicações do tipo “O novo segredo para perder gordura rapidamente”…

É preciso continuar a produzir ciência de qualidade que possa orientar a prática clínica, mas é necessário também que essa ciência não fique apenas nos Centros de Investigação, Universidades ou Congressos. É urgente amplificar as mensagens de saúde válidas, de forma apelativa e simples, para que cheguem ao público de forma compreensível e consistente. Se a isto juntarmos o papel cada vez mais relevante que os nutricionistas devem ter enquanto agentes de mudança no nosso ambiente e estilos de vida, então estaremos no caminho certo para uma população mais consciente das suas escolhas e onde a procura por “milagres” terá os dias contados. Afinal, queremos ser reconhecidos como profissionais de saúde, não como santos milagreiros!

Rodrigo Abreu,
Nutricionista

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