Pão pão, Queijo queijo 557

Nos últimos meses têm vindo a público várias notícias relativas à integração de mais Nutricionistas no SNS. Parece à partida uma iniciativa de louvar, dados os números relativos à prevalência da obesidade e o número relativamente reduzido de profissionais atualmente a exercer nos hospitais públicos, centros de saúde e afins. São também boas notícias para a classe, dadas as atuais dificuldades de empregabilidade para muitos dos que se formaram nos anos recentes… Mas para lá das primeiras impressões, que oportunidades e desafios se colocam à integração de mais Nutricionistas no SNS? Que condições terão para desenvolver o seu trabalho de forma correta e útil? E se as taxas de obesidade não baixarem, como ficará a nossa credibilidade?

Em primeiro lugar, parece pertinente saber que realidade espera aqueles que ingressarem no SNS para exercer funções de Nutricionista. Sem entrar nas questões salariais ou de progressão de carreira, é preciso entender que a procura por acompanhamento nutricional excede largamente a capacidade de oferta das unidades públicas. Isto coloca os profissionais sob imensa pressão (como bem sabem todos os colegas que já trabalham no SNS), tanto no tempo de espera para acesso à Consulta de Nutrição, como na qualidade de atendimento possível com o reduzido tempo de consulta. Outra questão passa por assegurar o sucesso da intervenção nutricional, através de um acompanhamento adequado. Quais as probabilidades de conseguir que um utente perca peso (e sobretudo, que depois seja capaz de o manter), se apenas estivermos com ele uns minutos a cada dois ou três meses? Por tudo isto, mesmo aumentando o número de Nutricionistas a trabalhar no SNS, não é claro se as condições de atendimento melhorarão para quem presta o serviço e para quem é atendido. De facto, ter muitos Nutricionistas no SNS mas sem condições para realizarem o seu trabalho (e assim, incapazes de entregar resultados) pode ser pior para a classe, na medida em que desvaloriza o real potencial da profissão na promoção da saúde.

Por fim, uma reflexão em torno dos custos da entrada de mais Nutricionistas para o SNS. Ainda esta semana ficámos a saber que os hospitais terão de pedir autorização para qualquer despesa adicional, quando ainda faltam 3 meses para o fim do ano. Parece claro que as verbas para investimentos desta natureza (aumento do número de contratados pelo Estado e criação das respetivas condições de trabalho) são ainda muito curtas. Onde ir buscar dinheiro então? A mais impostos ou taxas? Às poupanças conseguidas com a intervenção dos Nutricionistas, nomeadamente na redução dos custos com várias doenças crónicas? Ambas as possibilidades devem ser bem contabilizadas para não fracassarem. Por um lado, a aplicação de impostos sobre alimentos ditos “pouco saudáveis” pode não gerar as receitas esperadas e não influenciar as taxas de obesidade ou diabetes (devido ao fenómeno de transferências de consumo, ie, mudanças nos comportamentos alimentares das pessoas em virtude da manipulação dos preços de certos alimentos). Por outro, as poupanças obtidas pelas intervenções nutricionais são muitas vezes difíceis de contabilizar e o seu impacto não é imediato, pelo que dificilmente haverá mais receita disponível no curto prazo para pagar salários adicionais.

Todos estes fatores são ameaças à sustentabilidade da presença de Nutricionistas no SNS e devem ser acautelados. Sendo uma profissão recente, mas com uma valorização crescente por parte da sociedade, não podemos desperdiçar a confiança depositada em nós. Conquistemos o nosso lugar no SNS sim, mas não sem as condições necessárias para cumprirmos a nossa função adequadamente. E não a qualquer custo.

Rodrigo Abreu,
Nutricionista

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