Fenilcetonúria e microbiota intestinal: o que há por saber? 3148

A Fenilcetonúria (PKU) é uma doença hereditária do metabolismo, rara. A atividade deficiente da enzima hidroxílase da fenilalanina provoca a acumulação de fenilalanina (FEN) no sangue e no cérebro para concentrações tóxicas, com diminuição da tirosina podendo levar a compromissos no desenvolvimento cognitivo e psicomotor. De acordo com as recomendações europeias para a PKU, o tratamento deve começar o mais cedo possível, geralmente antes dos 10 dias de vida, de forma a otimizar o prognóstico.

A terapêutica nutricional constitui a base do tratamento da PKU. Baseia-se numa dieta restrita em proteína e em FEN. Os doentes com PKU devem evitar, um grupo alargado de alimentos, tais como: carne, peixe, ovos, lacticínios, pão, leguminosas e frutos oleaginosos. Podem integrar a dieta os hortofrutícolas, os grandes fornecedores de amidos, em quantidades muitos controladas, sendo necessária a suplementação com substitutos proteicos, nomeadamente misturas de aminoácidos isentas de FEN. De modo cumprir as recomendações energéticas, é necessária a utilização de alimentos especiais hipoproteicos (como por exemplo pão, bolachas, farinhas e massas hipoproteicas), produzidos especialmente para este propósito.

No recém-nascido com PKU tem de ser imposta uma restrição parcial ao aleitamento materno ou à fórmula para lactentes, com adição de substitutos proteicos e energéticos isentos em FEN. Esta idade corresponde a uma janela temporal crucial na determinação do microbiota intestinal, na qual a dieta tem um impacto profundo. O impacto que a alimentação tem no microbiota intestinal de doentes com PKU pode conduzir a alterações na riqueza e diversidade. Alterações estas que podem resultar num desequilíbrio da homeostasia gastrointestinal, favorecendo a colonização de bactérias patogénicas (disbiose). A melhoria do perfil do microbiota intestinal através da dieta, desde os primeiros anos de vida e ao longo de todo o ciclo de vida, contribui para a manutenção de um bom estado metabólico, nutricional e de saúde, nomeadamente porque desempenha papeis fundamentais na digestão das fibras alimentares e dos glícidos complexos com síntese de ácidos gordos de cadeia curta, por exemplo, o que regula a expressão de múltiplos genes do hospedeiro, regulando o metabolismo, o sistema imunológico e a permeabilidade intestinal.

Tendo em conta o potencial terapêutico que pode ter a alteração do microbiota intestinal nos doentes com PKU, é premente investigar o impacto na saúde destes doentes a longo prazo, dado que clinicamente não apresentam inflamação crónica de baixo grau.

Importa realçar que o impacto do microbiota da mãe, bem como a influência do tipo de parto, no microbiota do recém-nascido com PKU, à partida, poderá ser o mesmo de uma criança sem a doença, dado que a mãe não segue o mesmo padrão alimentar. Como tal, a alimentação especial do recém-nascido com PKU será potencialmente a principal varável a considerar como modelador do microbiota. Esta modelação irá ocorrer mais incisivamente devido à diminuição do aporte do leite materno ou fórmula adaptada; à suplementação com misturas de aminoácidos livres isentas de FEN; aos efeitos do natural excedente glicídico da dieta face à restrição proteica e do uso de formulações sintéticas ricas em glícidos e lípidos, com o intuito de promoção do anabolismo.

Num dos primeiros estudos observacionais de caracterização do microbiota em doentes com PKU comparando com indivíduos saudáveis, verificavam-se diferenças significativas no perfil do microbiota entre grupos, não conseguindo, contudo, atribuir as diferenças à doença per si ou ao seu tratamento. Em 2018, Verduci mostrou nos indivíduos com PKU uma redução da síntese de butirato, concomitante a menor diversidade de espécies, um dos critérios da disbiose. Mais ainda, realçou que as particularidades da dieta resultam numa qualidade diferente de substratos para a fermentação pelo microbiota. Num estudo de intervenção clínica, os autores concluíram que apesar da maior ingestão de alimentos de origem vegetal e fibra, o microbiota das crianças com PKU era diferente do microbiota de crianças saudáveis seguindo uma dieta com alto teor de fibras e baixo teor proteico. Mais ainda, verificaram uma diminuição da Faecalibacterium prausnitzii (produtor de butirato) no microbiota de crianças com PKU. Para além disso, é sugerido que tanto a qualidade como a quantidade de glícidos ingeridos possam contribuir para mudanças nas populações bacterianas de Firmicutes.

Assim pelo seu potencial terapêutico, urge a necessidade de realizar estudos clínicos de intervenção controlada que permitam aprofundar o conhecimento da qualidade nutricional das dietas específicas para a PKU e, posteriormente, analisar os potenciais efeitos na composição e diversidade do microbiota intestinal dos doentes com PKU.

 

Inês de Campos Antunes
Estudante da Licenciatura em Dietética e Nutrição da Escola Superior de Saúde da UAlg
Investigadora Junior ProNutri, CINTESIS, NOVA Medical School

Júlio César Rocha
Professor Auxiliar NOVA Medical School, UNL
Investigador, Pronutri, CINTESIS, NOVA Medical School
Nutricionista | 0438N
Membro do Painel Europeu das Guidelines para a Fencilcetonúria

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