Alimentação Orgânica e Bio: Mais do que uma moda 2504

A agricultura biológica é um método agrícola que visa produzir alimentos recorrendo a substâncias e processos naturais, ou seja, é um tipo de produção mais aproximada aos tradicionais hábitos alimentares dos nossos avós, que tinham pequenas produções agrícolas para consumo próprio. Mais moderna e com outro tipo de conhecimento adquirido ao longo dos anos, este tipo de agricultura tende a ter um impacto ambiental limitado, na medida em que promove a utilização responsável da energia e dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade, a preservação dos equilíbrios ecológicos regionais, a melhoria da fertilidade do solo, a conservação da qualidade da água, um elevado nível de bem-estar dos animais.

Porém, como menciona Nádia Brazão, apesar de haver uma grande aposta neste tipo de produção nos últimos anos, persiste «uma certa relação de amor-ódio com o modo de produção destes produtos e um baralhar de conceitos que acontece na prática». Para a nutricionista, cabe aos profissionais da área ajudar a desmistificar estas ideias e contribuir para que «os pacientes façam escolhas alimentares mais informadas, não só no plano da saúde individual, mas também conhecendo os impactos ambientais das escolhas que se fazem».

Bio, eco ou orgânico: quais as diferenças?

Na hora de escolher o que comprar, a dúvida pode surgir logo na escolha na prateleira e pode ser dificultada pela falta de informação acerca dos pré-requisitos que diferenciam os alimentos bio, eco ou orgânicos.

«Os alimentos bio/biológicos – ou “orgânicos”, segundo a terminologia no Brasil / do português do Brasil, ou “eco”, segundo a terminologia de alguns países de língua espanhola – são alimentos certificados, pelo seu processo de produção», começa por esclarecer a nutricionista Ana Helena Pinto, aprofundando: «A certificação assegura que os mesmos cumprem os princípios definidos e controlados por uma entidade externa, neste caso, como sendo em modo de produção biológico. Ou seja, que cumpra práticas ambientais promotoras da biodiversidade, da preservação dos recursos naturais e, no caso dos produtos de origem animal, da promoção do bem-estar animal». Logo, prossegue, «são alimentos cujo processo de produção procura provocar o menor impacto ambiental possível, nomeadamente no que à exclusão/minimização da utilização de fertilizantes, pesticidas e outros produtos fitofarmacêuticos com impacto negativo nos recursos naturais diz respeito». Neste sentido, «o que os difere de um alimento dito convencional é a certificação. É escolher um alimento certificado no que ao impacto ambiental da sua produção diz respeito, em detrimento de outro tipo de certificação – como os relativos aos pagamentos justos, aos materiais utilizados nas embalagens, ou outros – ou sem certificação».

Nádia Brazão acrescenta que a definição “orgânico” se estende a artigos como roupa, produtos de higiene ou cosméticos. «Não é um termo legislado em Portugal. Há produtos que se definem como orgânicos e apenas alguns dos seus ingredientes o são. Já o termo “ecológico”, mais do que a forma como são produzidos os alimentos, é um estilo de vida».

Maior consciência e preocupação

Nádia Brazão explica que a agricultura biológica teve o seu boom ao nível da produção há cerca de sete/oito anos e que tal se deveu muito à revolução que está a acontecer ao nível da indústria de produção alimentar e a uma maior consciência para os perigos dos contaminantes químicos. «Precisávamos de formas mais eficazes de garantir que os frutos, os vegetais ou os animais que consumimos estavam mais saudáveis, porque houve uma fase em que houve quase um consumo desenfreado de químicos», relata a mestre em Doenças Metabólicas e Comportamento Alimentar pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), para quem a alimentação biológica é mais do que uma moda, mas sim uma preocupação maior da parte dos consumidores.

Fundadora e CEO da Nutrition for Happiness, Ana Helena Pinto considera que esta «é uma das tendências de consumo, justificada pelo aumento da preocupação e do interesse do consumidor em saber aquilo que escolhe comer e procurar um impacto menos negativo com essas mesmas escolhas. Contudo, deparamo-nos ainda com muita desinformação sobre o tema, o que provoca escolhas não sustentadas e, muitas vezes, incongruentes». Diogo Lopes, CEO da Wissi, uma marca portuguesa dedicada ao desenvolvimento de produtos com base numa seleção de vegetais marinhos, partilha a mesma opinião e reforça que esta é uma «necessidade crescente». Além disso, conforme destaca, o consumidor «tem a garantia de que está a consumir produtos de valor acrescentando para a sua saúde».

Também a MC, através de resposta enviada por escrito, sinaliza que «a alimentação bio pode ser novidade para alguns consumidores, mas não é de todo uma moda. A tendência de crescimento no consumo de produtos biológicos registada pela gama Continente Bio, sobretudo por consumidores mais informados, confirma que há cada vez mais interesse neste tipo de produtos. Dentro dos consumidores de produtos biológicos, há quem seja consistente numa alimentação maioritariamente bio e outros consumidores que incluem estes produtos na sua alimentação em conjunto com outros não-biológicos. Este crescimento é também reflexo do aumento da importância da consciência ambiental, onde os consumidores procuram alternativas mais sustentáveis».

Escolhas mais informadas

Assim, entre as vantagens da alimentação orgânica ou bio destaca-se o facto de ser «um sistema de produção agrícola que respeita os ciclos de vida naturais, que procura minimizar o impacto humano sobre o ambiente e a produção natural de alimentos, com vista a fornecê-los de forma sã, fresca e saborosa», refere a marca Continente, salientando que «a diminuição da diversidade biológica é um dos principais problemas ambientais dos dias de hoje. A agricultura biológica perpetua a diversidade das sementes e das variedades locais, recusa os organismos geneticamente modificados (OGM) que põem em perigo numerosas variedades de grande valor nutritivo e cultural».

E não há dúvidas de que a agricultura biológica respeita o equilíbrio da natureza e contribui para um ecossistema saudável. «O equilíbrio entre a agricultura e a floresta, as rotações das culturas, etc., permitem a preservação de um espaço rural capaz de satisfazer as gerações vindouras», anota a marca Continente, relevando «o papel da agricultura biológica no âmbito do seu contributo para a descarbonização e promoção da economia circular, já que promove a regeneração do ciclo de nutrientes, gestão eficiente da água e reabilitação dos solos, em detrimento do uso de fertilizantes e pesticidas de base mineral. Está também associada a uma cultura de produção, consumo e colaboração locais que também contribui para a minimização de impactes ambientais».

Enquanto para Ana Helena Pinto procurar alimentos certificados em modo de produção biológico «é uma das formas de procurar escolher alimentos com critério», para Nádia Brazão é importante «conhecer os produtores e não optar por consumir produtos de origem biológica que vêm de países distantes», porque, nessa situação, se estaria a contrariar o princípio da diminuição da pegada ecológica. «Não tem de ser “Vamos comprar tudo biológico!”, mas sim conhecer os produtores locais, regionais que estão à nossa volta, visitar as suas quintas e perceber como cultivam os seus produtos», defende a nutricionista. «Não é o biológico empacotado que vai ser a solução se queremos falar em economia sustentável, em sustentabilidade do planeta ou preservação dos ecossistemas», declara.

Maior peso na carteira?

Mas nem tudo são vantagens. «No caso específico das frutas e legumes, a aparência pode ser, para alguns consumidores, uma desvantagem dos alimentos biológicos. Por serem cultivados naturalmente, geralmente estes tendem a ser menores e alguns também podem apresentar uma cor não uniforme e/ou tão intensa quanto a alcançada nos produtos convencionais», elucida a marca Continente.

«As desvantagens surgem quando, por desinformação, se olha apenas para a certificação em modo de produção biológico e através dela se assume automaticamente que o produto é mais saudável e mais sustentável, o que nem sempre acontece. São precisos outros fatores de análise e de escolha», alerta Ana Helena Pinto, reforçando: «A certificação em modo de produção biológico per si não tem contraindicações. Não é, contudo, e repito, certificado de produto inócuo. O açúcar continua a ser açúcar, a gordura saturada continua a ser gordura saturada e o vinho continua a ser uma bebida alcoólica, e, por isso, devem ser consumidos com moderação.

Além disso, não se pode desconsiderar o facto de regra geral, a oferta biológica ser mais cara. Comparando o mercado de produtos não biológicos com os biológicos, estes últimos apresentam tendencialmente preços mais caros, que variam em função das categorias/tipo de produto, devido às exigências na sua produção. A viver no Funchal, na ilha da Madeira, Nádia Brazão expõe que o preço é apontado como entrave ao consumo deste tipo de alimentos, mas enumera as razões relacionadas com a logística da produção que «justifica o preço mais caro. Reforço, mais uma vez, a importância da produção local, na qual encontramos, muitas vezes, preços mais baixos do que os da produção industrial».

Também Ana Helena Pinto atenta que «há mercados, nomeadamente os de cadeias curtas e os produtores que ainda se encontram em conversão para receberem a certificação final, que possibilitam preços competitivos. O segredo está em procurar conhecer as possibilidades de locais de compra de alimentos, mercados, entregas ao domicílio ou no local de trabalho, projetos e associações próximos da nossa área de residência».

Já Diogo Lopes afirma que, «por se tratarem de produtos de valor acrescentado produzidos em pequena escala, ainda não apresentam níveis de competitividade de preço versus produtos convencionais. No entanto, o desvio de custo existente é largamente compensado pela valência nutricional que oferecem».

Por seu turno, a marca Continente garante que pretende contrariar esta tendência e assegura que oferece «um preço mais democrático e acessível», frisando que, nalguns casos, «a oferta Continente Bio é até mais barata do que os equivalentes não-biológicos de outras marcas», dando como exemplo as bebidas vegetais.

Oferta diversificada

Atualmente, a oferta de produtos alimentares biológicos ou orgânicos tem vindo a ser cada vez mais alargada. Ana Helena Pinto entende que existe oferta de qualidade no mercado neste campo, «sobretudo os produtos de proximidade – produzidos local, regional ou nacionalmente –, certificados em modo de produção biológico e considerados produtos base – cereais, tubérculos, hortícolas, fruta, etc.

É o caso da gama Continente Bio, que, segundo os responsáveis, «tem centenas de produtos para quem queira optar por este tipo de consumo, com oferta para todos os momentos do dia a dia, desde leite e bebidas vegetais, café, cereais, bolachas, frutas, legumes, talho, laticínios, ovos, tofu, seitan, e muitas outras opções». Do total dos fornecedores, «há pelo menos 50 parceiros que produzem artigos biológicos para a marca própria Continente. Estas entidades variam entre produtores individuais a organizações de produtores».

Mais saudáveis?

No geral, os consumidores procuram os produtos biológicos por entenderem que provêm de uma produção que exclui o uso de fitofármacos. Efetivamente, o modo de produção biológico é mais restritivo, advogando o uso limitado de adubos, herbicidas e pesticidas artificiais. Porém, as nutricionistas Ana Helena Pinto e Nádia Brazão referem que o faco de ser biológico não garante que seja mais saudável.

«Um pacote de bolachas bio não nos assegura que tem proporção de açúcar, gordura e sal segundo as recomendações de saúde, apenas nos assegura que os seus ingredientes são provenientes de um modo de produção biológico. Ou seja, a característica que a certificação bio nos dá é relativa ao modo de produção e ao seu impacto ambiental, não relativa à composição nutricional e ao seu impacto na saúde. Não têm necessariamente mais nutrientes. Depende de que perfil nutricional compararmos. A diferença de macronutrientes não é significativa. A diferença estará no perfil mineralógico, mas que também este, dependente de outros fatores», explica Ana Helena Pinto.

Quanto aos pesticidas e outros produtos fitofarmacêuticos, a agricultura biológica autoriza apenas alguns, em situações, dosagens e frequência limitada e controlada. «São 50 aditivos autorizados ao invés dos 300 dos alimentos convencionais. Na verdade, são produtos sujeitos a um maior nível de controlo», esclarece Nádia Frazão, para quem o importante é fazer escolhas mais conscientes.

Efeito sazonal?

Altura do ano em que a maioria da população se preocupa mais em adotar uma alimentação saudável, seja por questões relacionadas com a perda de peso ou por maior disponibilidade para adquirir produtos frescos, pode pensar-se que, no verão, há uma maior procura pelos alimentos biológicos. Contudo, os entrevistados asseguram que tal não se verifica.

A nutricionista Ana Helena Pinto diz que tem sentido é que há sobretudo «mais pacientes interessados em adotar a escolha de alimentos ricos nutricionalmente, com valor positivo para a saúde – pessoal, social e do planeta. Por um lado, pelo aumento de patologias associadas ao estilo de vida – e, consequentemente, aos hábitos alimentares –, de sintomatologia de mal-estar sem patologia diagnosticada – como algumas queixas gastrointestinais – e pela tomada de consciência da responsabilidade pessoal e coletiva que todos temos, com as escolhas, também de consumo alimentar, que fazemos».

Artigo publicado originalmente na revista Viver Saudável #85 (setembro-outubro).

Envie este conteúdo a outra pessoa