Probióticos: uma das soluções para uma noite bem dormida? 1250

Por Vanessa Cristão (Social Media Strategist, Supreme Optimization; Licenciada em Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Doutorada em Biologia Molecular, Universidade de Edimburgo; Mestranda em Nutrição Humana e Metabolismo, NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa) e João R. Araújo (Professor Auxiliar da NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa; Investigador do CRHC e do CINTESIS@RISE).

 

O sono é um processo fisiológico essencial e complexo que desempenha um papel vital na manutenção da saúde física e mental. Apesar de vários fatores ambientais e de estilo de vida influenciarem este processo, estudos recentes sugerem que o eixo microbiota-intestino-cérebro poderá ter um papel relevante na fisiologia do sono. De facto, alterações na composição do microbiota intestinal foram já associadas a vários distúrbios do sono (por ex. insónia e narcolepsia), e a sua modulação por probióticos demonstrou, em parte por reduzir os sintomas de ansiedade e depressão, melhorar a qualidade do mesmo.

Neste sentido, Patterson e col. publicaram na revista Scientific Reports um estudo que explora a forma como o eixo microbiota-intestino-cérebro afeta direta e indiretamente o sono. Num cenário em que as terapias tradicionais para os distúrbios do sono envolvem o uso de fármacos, com os seus respetivos efeitos adversos, ou terapias psicológicas, que podem não ser acessíveis a todos os pacientes, este estudo apresenta evidência clínica robusta e inovadora sobre a suplementação com o probiótico nativo Bifidobacterium longum 1714 como uma estratégia alternativa que melhora a qualidade do sono e promove o bem‐estar.

Através de um ensaio clínico aleatorizado, duplamente-cego e controlado por placebo, Patterson e col. avaliaram, pela primeira vez, o efeito da suplementação com um probiótico nos parâmetros subjetivos, índice de Pittsburgh (PSQI), e objetivos, actigrafia, de qualidade do sono numa população adulta saudável com qualidade de sono prejudicada. Adicionalmente, foram analisados parâmetros de bem‐estar como energia, vitalidade e comportamento social.

Os autores observaram que, embora a intervenção com B. longum 1714 durante 8 semanas não tenha levado a uma melhoria estatisticamente significativa no PSQI e actigrafia globais, comparativamente ao placebo, promoveu uma evolução positiva de componentes específicas do sono. Os participantes que receberam o probiótico apresentaram um aumento significativo da componente “qualidade subjetiva do sono” e uma da redução da componente “disfunção diurna”. Estes parâmetros são críticos, uma vez que o impacto do sono não depende somente da sua duração, mas também da sua qualidade e capacidade de induzir revigoramento ao despertar.

Nutrição e Saúde Mental: o papel do eixo microbiota-intestino-cérebro

Outro resultado importante foi o efeito positivo observado nos níveis de energia e no comportamento social, avaliados pelo questionário SF‐36 (Short Form Health Survey-36). Após 8 semanas de intervenção, os indivíduos do grupo suplementado com B. longum 1714 relataram níveis significativamente superiores de energia e uma melhoria na capacidade de envolvimento em atividades sociais.

Apesar destes resultados promissores, o estudo apresenta algumas limitações nomeadamente a heterogeneidade da população em estudo. Pese embora os participantes tenham sido recrutados com base num PSQI global ≥5, uma proporção significativa destes apresentava uma qualidade de sono pouco comprometida. Este fator poderá explicar a ausência de diferenças no PSQI e actigrafia globais observada entre os grupos placebo e suplementado. Como tal, seria desejável que estudos futuros investigassem o efeito da suplementação com B. longum 1714 em populações com um comprometimento mais severo da qualidade do sono, nomeadamente em indivíduos com insónia crónica, transtornos de ansiedade ou depressão.

Além disso, é de questionar se um tempo de estudo mais longo (superior a 8 semanas) resultaria numa melhoria mais acentuada dos parâmetros objetivos e subjetivos de qualidade do sono. É expectável que os efeitos decorrentes da modulação do microbiota intestinal demorem algum tempo até se manifestarem na sua plenitude, especialmente em biomarcadores que refletem adaptações neuroendócrinas e imunológicas.

Estudos futuros com períodos de intervenção mais longos e avaliações de seguimento pós-intervenção poderão esclarecer se os benefícios se mantêm ou até se intensificam com o tempo. Embora o estudo de Patterson e col. tenha demonstrado que o B. longum 1714 melhora a qualidade subjetiva do sono e aspetos do bem‐estar, os mecanismos de ação subjacentes a esses efeitos são ainda pouco claros, nomeadamente quais as vias de sinalização ativadas e os metabolitos produzidos pelo microbiota intestinal. Estudos que correlacionem as alterações da composição e função metabólica do microbiota intestinal com perfis neuroquímicos e imunológicos seriam essenciais para uma compreensão mais aprofundada da relação entre o eixo microbiota‐intestino‐cérebro e o sono.

Classificação da Obesidade: Relevância para a prática clínica

Em conclusão, este estudo demonstra a importância de considerar a modulação do microbiota intestinal como uma potencial estratégia no tratamento de distúrbios do sono. Adicionalmente, a segurança e a boa tolerabilidade do B. longum 1714, sugerem que a sua associação com terapêuticas convencionais poderá eventualmente contribuir para a melhoria da qualidade de vida destes pacientes, contribuindo para alargar ainda mais o âmbito de aplicação clínica dos probióticos.