Carotenoides – origens, fontes e benefícios para a saúde 1885

Os carotenoides são compostos naturais corados (amarelos, alaranjados, vermelhos), já presentes nas cianobactérias, provavelmente as responsáveis pelo aparecimento do oxigénio na atmosfera terrestre. Nestes e noutros organismos fotossintéticos foram e ainda são fundamentais para a fotossíntese, ajudando a captar a luz e, principalmente, protegendo-os contra danos induzidos por ela, permitindo a sua evolução. Centenas de milhões de anos depois, podemos encontrar teores elevados de carotenoides na área da retina humana, possivelmente protegendo-a da luz.

Esta questão está atualmente a ganhar relevância, tendo em consideração o aumento das doenças dos olhos associadas ao envelhecimento e alguns estudos que associam danos na retina à elevada exposição à luz azul intensa radiada pelos ecrãs dos computadores e dos telemóveis. Os carotenoides, pela sua estrutura química, adquirem especial relevância atuando como filtros fotoprotetores.

Entre as cianobactérias e os humanos muitos outros organismos tiraram/tiram partido dos carotenoides, conferindo-lhes vantagens para sobreviverem e se propagarem. Quando os animais desenvolveram a visão a cores, na história recente da vida na Terra, as plantas também os utilizaram para obter vantagens reprodutivas, desenvolvendo flores e frutas coloridas para atrair polinizadores e dispersores de sementes. E alguns animais, incluindo peixes e muitas aves, também. É o caso dos flamingos que através da cor da sua plumagem transmitem informações importantes para o acasalamento, e até do seu estado nutricional e de saúde. E a cor também influencia a escolha dos alimentos pelos humanos. Para além da cor, os aromas responsáveis pelo cheiro agradável de flores (rosas, violetas), vinhos, chá e muitos frutos e legumes (tomate, uvas, framboesas, melancia) são derivados de carotenoides.

Os carotenoides são compostos largamente difundidos na Natureza. São biossintetizados pelos organismos fotossintéticos (cianobactérias, algas, plantas), por alguns fungos e bactérias; no reino animal, alguns pulgões conseguem sintetizá-los. Fazem parte da dieta humana desde sempre; as folhas e outros alimentos contendo cloroplastos, sempre fizeram parte dela; o primeiro alimento ingerido pelos humanos, o colostro, deve a sua cor amarelada à presença destes compostos. A demonstração categórica da sua importância na promoção da saúde é extremamente desafiante devido à complexidade do organismo humano e da dieta. Diferentes evidências provenientes de diversos estudos (epidemiológicos, químicos, animais de laboratório, culturas de células, etc.), indicam ser sensato esperar benefícios para a saúde do seu consumo a partir da dieta, com relevância para a mediterrânica.

Embora as possíveis ações benéficas dos carotenoides em humanos sejam geralmente atribuídas a mecanismos antioxidantes, outras bioatividades devem ser consideradas, como efeitos pró-oxidantes, anti-inflamatórios ou imunológicos ou a modulação de vias de sinalização intracelular ou propriedades de membrana. Muitos estudos indicam que dietas ricas em carotenoides contribuem para reduzir o risco de desenvolver cancro e outras doenças, incluindo ósseas, cutâneas, cardiovasculares, oculares. Recentemente, têm sido recolhidas evidências de que podem ter ações benéficas no desempenho cognitivo, nomeadamente no envelhecimento, durante a gravidez e no início da vida, no controlo da biologia dos adipócitos e da acumulação de gordura corporal, com possíveis implicações na etiologia e tratamento da obesidade e comorbolidades.

Como poderemos, então, obter carotenoides contribuindo para sermos mais saudáveis? Em geral, os alimentos de origem vegetal, amarelos, laranja e vermelhos, como cenoura, abóbora, citrinos, tomate, pimento, papaia, manga, melancia, azeite, entre muitos outros são boas fontes; os vegetais verdes, nomeadamente os mais escuros, brócolos, couve galega, acelgas, beldroegas, também têm elevados teores, apesar da sua cor estar mascarada pelo verde da clorofila.

Tendo em consideração a localização dos carotenoides nos alimentos de origem vegetal assim como o facto de serem compostos lipossolúveis, em geral cozinhar e temperar como é tradicional com azeite, aumenta a sua absorção/biodisponibilidade. Através da cadeia alimentar distribuem-se pelo reino animal, que não os consegue biossintetizar mas tem capacidade para os absorver. Consequentemente, os carotenoides não estão tão amplamente distribuídos nos alimentos derivados dos animais e nestes estão quase sempre presentes em níveis muito inferiores aos das plantas, nomeadamente no leite e outros laticínios, na gema de ovo, no salmão, nos mexilhões. Também estão presentes nos corantes naturais, utilizados para tornar os pratos mais apelativos, como é o caso do açafrão e do colorau, ou adicionados a determinadas bebidas, por exemplo de laranja para intensificar a sua cor. Estão ainda disponíveis sob a forma de suplementos alimentares, nomeadamente a luteína em associação com a zeaxantina, para ajudar a combater a progressão da degeneração macular relacionada com a idade ou outras doenças oculares. Utilizam-se ainda na fortificação de alimentos, principalmente nas bebidas multivitaminadas e nas bebidas instantâneas de chocolate. Outros estão também a ser utilizados no contexto da nutricosmética, pois podem ajudar a reduzir o risco de várias doenças e, ao mesmo tempo, melhorar a aparência da pele.

Uma função inquestionável dos carotenoides nos seres humanos é como percursores do retinol (vitamina A) e outros retinoides relacionados, que têm um papel importante no ciclo visual, na regulação de genes ligados a processos fisiológicos e de desenvolvimento, na função cerebral, imunidade, manutenção do tecido epitelial, reprodução e desenvolvimento embrionário. Na dieta humana, o β-caroteno é o carotenoide mais abundante e com maior atividade provitamina A, sendo também importantes para esta atividade, o α-caroteno e a β-criptoxantina, assumindo especial relevância nas dietas vegetarianas, como fonte de vitamina A. Juntamente com estes, os carotenoides não provitamina A, licopeno, luteína e zeaxantina são os mais abundantes no sangue e corpo humano. Atualmente são conhecidos cerca de 800 carotenoides, mas apenas 10-20 estão a ser estudados com mais profundidade.

A partir dos alimentos consumimos alguns miligramas de carotenoides todos os dias, para os quais não há atualmente valores diários de referência. A possível relação entre o consumo de frutos e legumes contendo carotenoides e a saúde humana, o facto de os carotenoides variarem qualitativa e quantitativamente de alimento para alimento e o facto de dentro de cada espécie o seu conteúdo poder eventualmente variar com a variedade, maturidade, solo e condições de luminosidade determina a necessidade da sua análise e a inclusão desta informação nas bases de dados de composição dos alimentos pelo que o INSA implementou nos seus laboratórios um método acreditado para a determinação de carotenoides por HPLC.

Na grande maioria das bases de dados da composição de alimentos, os carotenoides estão incluídos nas vitaminas lipossolúveis, como contribuintes para a vitamina A. Na Tabela da Composição de Alimentos (http://portfir.insa.pt/), os carotenoides provitamina A estão expressos em “caroteno” e a “vitamina A total”, inclui a proveniente dos carotenoides, tendo em consideração a sua atividade. Os diferentes possíveis efeitos benéficos para a saúde humana dos diferentes carotenoides determinam a necessidade dos teores individualizados nos alimentos. Assim, no âmbito de duas redes, financiadas pelos programas CYTED e COST reuniram-se dados da literatura, obtidos por HPLC, e construíram-se bases de dados, que poderão ser úteis nomeadamente na área da nutrição.

Entre as variadas aplicações emergentes dos carotenoides estão a ser desenvolvidas aplicações de alguns derivados de carotenoides no campo dos agroquímicos para a produção sustentável de alimentos, devido aos seus papéis como hormonas e transmissores de sinais. Estão a ser considerados no tingimento de tecidos, uma abordagem para substituir corantes sintéticos, poluentes e geralmente obtidos de fontes não sustentáveis. Estão ainda a ser utilizados como inspiração no contexto da fotossíntese artificial, possuindo potencial para a produção sustentável de materiais orgânicos e para a remoção de CO2 da atmosfera, uma arma importante para combater as alterações climáticas.

Maria da Graça Dias
Engenheira Química, Doutorada em Química Analítica
Departamento de Alimentação e Nutrição
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP (INSA)

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