Educação Alimentar: Um Investimento que Começa nos Primeiros 1000 Dias 1123

Por Inês Gouveia, Coordenadora do Departamento de Política e Relações Externas, Alice Nobre, Vogal do Departamento de Política e Relações Externas, e Benedita Nápoles, Vogal do Departamento de Política e Relações Externas da Associação Nacional de Estudantes de Nutrição (ANEN).

 

Os primeiros 1000 dias de vida, período entre a conceção e os dois anos de vida, são decisivos para o desenvolvimento das crianças. Apesar de existir cada vez mais consciência relativamente ao impacto das escolhas alimentares nesta faixa etária, ainda existem muitas tradições alimentares e práticas comuns que carecem de suporte científico.

Os comportamentos alimentares inadequados aumentam o risco de doenças como a obesidade e doenças metabólicas, além de influenciarem a formação de preferências por sabores como o salgado e o doce de forma precoce. É, portanto, fundamental adotar abordagens baseadas em evidência científica, garantindo que as crianças tenham acesso a uma alimentação equilibrada desde os primeiros dias de vida.

Segundo o manual “Alimentação nos primeiros 1000 dias de vida”, da Associação Portuguesa de Nutrição*, o sal e o açúcar não devem ser consumidos durante o primeiro ano de vida, assim como todos os alimentos que os contenham adicionados, como por exemplo, bebidas açucaradas, bolos e bolachas. No entanto, esta não é a realidade observada atualmente em muitas creches portuguesas, onde continuam a ser oferecidos alimentos com açúcar e sal adicionados, contrariando as recomendações para esta faixa etária.

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Esta situação decorre, em grande parte, do facto de não existir, ainda, uma regulamentação oficial em Portugal que defina critérios nutricionais obrigatórios para as ementas em creches e berçários. É, por isso, extremamente positiva a recente Resolução da Assembleia da República n.º 92/2025**, que recomenda ao Governo a regulamentação destas ementas. A medida prevê não só que todas as ementas sejam supervisionadas por nutricionistas e livres de ultraprocessados, sal e açúcar adicionados, como também introduz a obrigatoriedade de opções vegetarianas equilibradas, formação contínua de profissionais e campanhas de sensibilização para os pais.

As escolas e creches devem afirmar-se como espaços promotores da literacia alimentar, nos quais a promoção de uma alimentação saudável deve ser realizada de forma prática e construtiva. Para tal, torna-se essencial investir na formação de educadores e auxiliares, de modo a que compreendam plenamente o impacto da nutrição no desenvolvimento infantil. Neste processo, o nutricionista deve desempenhar um papel fundamental, orientando a elaboração das ementas, capacitando os profissionais e garantindo que as práticas alimentares estão alinhadas com a evidência científica mais atualizada. A par disto, é crucial estabelecer uma articulação eficaz com as famílias, assegurando que as orientações transmitidas no contexto escolar sejam devidamente reforçadas em casa.

A educação alimentar em ambiente escolar, especialmente em creches e berçários, é uma estratégia que, a longo prazo, resulta numa população mais saudável e com menor prevalência de doenças crónicas.

Pensar no Futuro com a Juventude à Mesa

Investir na alimentação infantil é investir no futuro. O nutricionista desempenha um papel fundamental na promoção da saúde dos mais novos, com um impacto direto no seu desenvolvimento físico e cognitivo. Cabe-nos, enquanto profissionais de saúde, garantir escolhas alimentares que fortaleçam a saúde desde os primeiros dias de vida, promovendo hábitos saudáveis que perdurem a longo prazo. Assim, reconhecer e integrar o nutricionista neste processo é garantir uma intervenção eficaz e sustentada em saúde pública.

 

Referências bibliográficas:

* Associação Portuguesa de Nutricionistas. (2019, junho). Alimentação nos primeiros 1000 dias de vida: um presente para o futuro (E‑book n.º 53). Associação Portuguesa de Nutrição.

** (2025) Resolução da Assembleia da República n.º 92/2025, de 24 de março.