Direito ao Disparate e Dever de Informar 1932

Recentemente, recebi várias mensagens com pequenos vídeos de uma senhora num canal de televisão a apregoar uma dieta para cada signo do horóscopo. Com aparente entusiasmo e interesse, os apresentadores do programa mostravam-se surpreendidos com as revelações sobre o que o que cada “nativo” devia ou não comer. O espetáculo não é divertido (poderia ser um daqueles sketches humorísticos, bem conseguidos) nem entretém, dadas as banalidades da suposta dieta dos signos, que se limita a “recomendações” como “não beber água à refeição” ou “preferir frutas e vegetais”. Parece que, passado o momento Eureka! inicial (uma dieta para cada signo), a imaginação se esgotou e o resultado é um conjunto aleatório de chavões sobre “alimentação saudável”, distribuídos ao acaso por cada signo… Assim, se os apresentadores do programa não parecem genuinamente interessados no tema e se as mensagens da autora não são interessantes, qual o interesse em divulgar na televisão, supostamente em horário com audiências, conteúdos deste tipo? Interessará aos espetadores?

Muito se discute atualmente sobre o destino dos meios de comunicação “tradicionais” – TV, rádio e imprensa escrita. O advento do online, das redes sociais e do streaming veio mudar de forma definitiva a forma como consumimos conteúdos (informação, entretenimento, conhecimento), e trouxe desafios enormes no que respeita à rentabilidade e credibilidade desses conteúdos. A tirania dos cliques e likes, alimentada por algoritmos sequiosos de nos manter colados ao ecrã, transformou a forma como os conteúdos passaram a ser produzidos e divulgados. Não é que os títulos sensacionalistas e as manchetes alarmantes não existissem já. Mas com as atuais “regras” do online, até os meios tradicionais “de referência” têm de recorrer ao click bait para receber o almejado clique, o tráfego que daí resulta e a respetiva receita publicitária. Antes, a notícia podia ser: “Descoberto novo composto nos brócolos que poderá ter ação protetora a nível celular”. Hoje, seria: “Saiba qual o alimento que tem mesmo de comer para se proteger do cancro!”. Estamos, pois, numa situação em que os meios de comunicação lutam desesperadamente por audiências e receitas, cada vez com recursos mais limitados, e onde vale (quase) tudo para agradar e reter o espetador. Incluindo, o disparate.

O direito ao disparate e à falta de gosto (até mesmo ao mau gosto), fazem parte dos princípios inerentes à liberdade que tanto custou a conquistar nas sociedades em que vivemos, tendo como limite a liberdade de cada um não interferir com a dos demais. Mas, se não se pode proibir a divulgação de disparates na televisão, também não se pode descurar o dever de informar, inerente à própria existência dos órgãos de comunicação. Para isso, é preciso reclamar a presença de nutricionistas no tempo de antena dedicado a falar de alimentação e saúde. É necessário também que todos os nutricionistas tenham a disponibilidade para “ocupar” o espaço de debate, afirmando-se como os especialistas legítimos e contribuindo decisivamente para a literacia da população. São precisos programas de TV em horário nobre que abordem a educação alimentar, e os nutricionistas têm de ser presença regular nos espaços de informação para desmistificar ideias falsas sobre nutrição e alimentação. Por cada dieta disparatada, precisamos de 2 ou 3 nutricionistas na televisão e jornais a transmitir mensagens válidas e úteis aos espetadores!

Numa época em que (quase) tudo pode ser entendido como ofensivo, não deixa de ser curioso que se possam dizer os maiores disparates em prime time sem que ninguém sinta a sua inteligência ofendida. No que respeita à Nutrição, o direito ao disparate existe, mas tem de ser equilibrado com o dever de informar. Cabe aos nutricionistas lutar pelo espaço mediático que nos permita garantir que divulgar disparates nesta área seja tão ridículo e inútil, que não valha sequer a pena tentar…

Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição®

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