Diabetes e Covid-19: Estudo revela que a gestão da diabetes foi fortemente afetada pela redução dos cuidados de saúde provocada pela pandemia 429

No âmbito da iniciativa “Um PRR para a Diabetes – A Oportunidade é Agora”, promovida pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e a Novo Nordisk, com o apoio técnico da MOAI Consulting e da consultora IASIST, realizou-se uma análise que procurou avaliar o impacto da redução dos cuidados de saúde provocada pela pandemia na gestão da diabetes, ao nível dos cuidados de saúde primários e dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O impacto nos Cuidados de Saúde Primários

No que diz respeito aos Cuidados de Saúde Primários, entre março e dezembro de 2020, o receio de interação com estas unidades e uma potencial limitação na capacidade de vigilância e monitorização ativa por parte destes serviços resultou num decréscimo de 23% nos valores de incidência (novos casos) de diabetes. O mesmo aconteceu com a obesidade, principal fator de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 – foram registados menos 62% de novos casos.

Por outro lado, a alocação exaustiva de recursos humanos e técnicos para responder à covid-19 comprometeu a dinâmica assistencial em vários domínios relevantes para a prevenção de complicações na diabetes. Só no primeiro ano de pandemia foi possível verificar um decréscimo:
• de 13,5% por cento na cobertura populacional de consultas de enfermagem de vigilância da diabetes ;
• de 16,5% nos rastreios de retinopatia diabética;
• de 19% na cobertura da consulta de pé diabético;
• de 14,5% no número de pessoas com diabetes com uma gestão adequada do regime terapêutico;

Na globalidade, a proporção de pessoas com diabetes com registo de acompanhamento adequado sofreu um decréscimo de 56% no primeiro ano de pandemia, face a 2019.

Joana Sousa, da MOAI Consulting, explica que “A diabetes já é atualmente reconhecida como uma das prioridades globais de saúde pública e uma das mais impactantes doenças crónicas não transmissíveis. Isto quer dizer que, mesmo antes da pandemia e do seus efeitos no sistema de saúde, os esforços levados a cabo para melhorar o acesso aos devidos cuidados de saúde e, num espectro mais amplo, otimizar a gestão integrada da diabetes se manifestavam insuficientes. Sabemos que em custos diretos com cuidados de saúde, a diabetes representa anualmente no nosso país um encargo na ordem dos 1,5 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 0,7% do PIB. Estes números refletem a necessidade de trabalhar na prevenção da diabetes tipo II e diminuir a prevalência desta doença em Portugal – onde os casos registam valores superiores à média da União Europeia em cerca de 100 casos por 100.000 habitantes. A quebra que os dados nos mostram ao nível do acompanhamento das pessoas com diabetes por parte da rede de Cuidados de Saúde Primários poderá contribuir para agravar esta tendência.”

O Contexto Hospitalar

Já nos hospitais do SNS, os dados referentes ao ano de 2020, por comparação ao ano anterior, revelam que houve um decréscimo de 15% no número de doentes com diabetes, quer em internamento, quer em hospital de dia e outras formas de tratamento ambulatório, verificando-se as maiores reduções entre os períodos homólogos de abril (-40%) e maio (-25%). Tais resultados podem ser explicados por diversos fatores como a concentração dos hospitais nos doentes com covid-19, o receio dos doentes em procurar serviços de saúde e a política geral de confinamento.

Contudo, o peso relativo dos doentes com diabetes no contexto da atividade de internamento hospitalar aumentou em cerca de 5% no mesmo período. Admite-se que a súbita falha na resposta dos serviços de saúde poderá ter tido uma repercussão mais negativa em doentes diabéticos, provocando descompensações que motivaram a procura hospitalar.

O estudo, realizado pela consultora IASIST do grupo IQVIA, mostra que a complexidade dos doentes com diabetes aumentou cerca de 15% em 2020, o que se traduz num aumento dos custos médios por doente tratado de 2.900€ (2019) para 3.300€ (2020). Quando comparado com um “doente padrão” com alta hospitalar nos hospitais do SNS em 2020, os doentes com diagnóstico principal de diabetes apresentaram um custo médio de recursos 30% superior. Se olharmos ao tempo médio de internamento, também se registou um aumento de 2,5% para doentes com diabetes como diagnóstico principal e 3,8% nos casos em que a diabetes foi diagnóstico secundário, o que parece confirmar a maior complexidade dos doentes com diabetes.

Apesar de uma redução na mortalidade geral hospitalar de 2,2% – fenómeno ainda não devidamente estudado, mas que poderá estar relacionado com a redução da procura e o confinamento, que provocaram mais mortalidade no domicílio e nas Estruturas Residenciais para Idosos (ERPIs), contrariando até a ideia de que a COVID teria induzido uma maior mortalidade hospitalar – verificou-se um aumento da mortalidade intra-hospitalar nos doentes com diabetes em 6,9% e 5,1%, respetivamente em doentes com diagnóstico principal e diagnóstico secundário.

No entanto, a evolução mais significativa resulta da análise da letalidade da doença, ou seja, o número de óbitos face aos doentes internados que registou um aumento de 24,9% nos doentes com diabetes como diagnóstico principal e 22,6% nos doentes com diabetes como diagnóstico secundário. Parece assim, evidente, que estivemos, em 2020, perante uma casuística com diabetes mais severa, com uma letalidade francamente superior.

Relativamente às complicações, é particularmente relevante o crescimento de 2% das amputações major em doentes com diabetes como diagnóstico principal, ao contrário do que se passou a nível nacional (redução de 8,1%) e nos doentes com diabetes como diagnóstico secundário (redução de 7,6%). Assinala-se um aumento verificado logo em março, no início da pandemia, de 55% no número de amputações, face ao mês homólogo do ano de 2019.

Este estudo analisou ainda a relação da diabetes com o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e o Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) evidenciando, no caso do AVC, um aumento de 9% no número total de óbitos e de 15,4% da letalidade, em 2020. Já nos doentes com diabetes e com EAM, os 5.500 doentes identificados em 2020 representam uma diminuição de 15%, face ao número de casos no ano anterior. Apesar de a mortalidade ter sido semelhante entre os dois períodos, a taxa de letalidade aumentou 17%.

Manuel Delgado, Consultor da IASIST/IQVIA, aponta que “os dados deste estudo confirmam que os doentes com diabetes foram largamente afetados com as consequências da pandemia na redução da atividade hospitalar em 2020 e que é prioritário avaliar prospectivamente todos os doentes com diabetes seguidos nos hospitais, sobretudo com formas mais severas da doença e com interrupção de visitas ou consultas no ano de 2020. Esta reavaliação, que deverá estudar bem as situações de doença agravada e as suas causas, será decisiva para recuperar a qualidade de vida de muitos doentes com diabetes e, nalguns casos, poupar vidas.

A iniciativa “Um PRR para a Diabetes – A Oportunidade é Agora” junta 21 especialistas com o objetivo de definir um plano de ação que venha alterar o paradigma da resposta aos desafios da diabetes em Portugal. O evento público de apresentação e discussão das soluções propostas vai realizar-se no próximo dia 26 de novembro, num evento que decorrerá às 10 horas, via streaming e no Auditório do Jornal Público.

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