Por Cássia H. Barbosa, do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge; Lisboa, Portugal (cassia.barbosa@insa.min-saude.pt).
A crescente necessidade de modelos produtivos mais sustentáveis obriga a reavaliação de recursos endógenos muitas vezes subvalorizados. Cynara cardunculus L. é uma planta perene originária da região mediterrânica, que compreende a variedade C. cardunculus L. var. scolymus, conhecida vulgarmente como alcachofra, e a variedade C. cardunculus L. var. altilis, conhecida vulgarmente como cardo-do-coalho, cardo queijeiro ou simplesmente cardo.
Nos últimos anos, esta planta tem ganhado relevância científica e industrial devido ao seu elevado potencial de valorização, alinhado aos princípios da sustentabilidade e da economia circular. Uma das suas vantagens é a capacidade de adaptação, desenvolvendo-se em condições ambientais adversas, com recursos hídricos e nutricionais limitados, mantendo, apesar disso, elevada produtividade e um perfil bioativo relevante.
O cardo tem diversas aplicações, podendo ser aproveitadas todas as suas partes. Tradicionalmente, as folhas são utilizadas em infusões associadas à proteção do fígado e ações cardiotónicas, anti-hemorrágicas e antidiabéticas. Na alimentação, os caules suculentos e as cabeças imaturas são utilizados e consumidos na culinária mediterrânica tradicional, sobretudo em saladas e sopas. Ainda assim, o cardo é mais conhecido pelas suas flores, usadas como coagulante vegetal na produção de queijos, alguns deles com Denominação de Origem Protegida (DOP), selo que atesta a autenticidade destes produtos. Exemplos de queijos DOP portugueses são o Queijo da Serra da Estrela, o Queijo de Serpa, o Queijo de Azeitão e o Queijo de Évora.
Da produção de queijo resultam as folhas como principal subproduto, que apresentam um excelente perfil nutricional e bioativo. São ricas em proteína e fibra, com baixo teor de gordura. Do ponto de vista funcional, destacam-se os ácidos cafeoilquínicos (como o ácido clorogénico) e os flavonoides como a luteolina e a apigenina. Estes compostos ativos conferem importantes propriedades biológicas como antioxidantes, antibacterianas, antifúngicas e anti-inflamatórias.
Assim, a conjugação entre o valor nutricional e o potencial bioativo das folhas de cardo confere-lhes aplicabilidade em diferentes áreas, desde o desenvolvimento de novos produtos com melhor aporte nutricional e propriedades funcionais até ao reforço da segurança e da conservação dos alimentos, reduzindo a necessidade de aditivos sintéticos.
O seu potencial tem também sido explorado no desenvolvimento de embalagens alimentares ativas, que interagem com o alimento e podem libertar ou absorver substâncias de forma controlada, permitindo prolongar o tempo de vida útil dos alimentos ao reduzir a oxidação lipídica e ao inibir o crescimento microbiano. Este tipo de embalagem surge como uma alternativa promissora aos aditivos sintéticos, constituindo uma área emergente de elevada pertinência tecnológica.
Em síntese, o cardo apresenta-se como uma planta com elevado potencial, especialmente através do aproveitamento das suas folhas que são normalmente tratadas como resíduos, como fonte de compostos bioativos de interesse para as indústrias alimentar e de embalagens alimentares. A valorização destas folhas enquadra-se nos princípios da economia circular, promovendo cadeias de valor mais sustentáveis e com menor desperdício.
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Surge assim o Projeto CardAPium, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e desenvolvido pelo Departamento de Alimentação e Nutrição (DAN) do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Este projeto reforça o papel central do INSA na investigação aplicada em sustentabilidade alimentar, ao desenvolver um filme ativo biodegradável e edível, à base de proteína de soro de leite, incorporando o extrato das folhas de cardo, para melhorar a preservação e prolongar a vida útil do queijo. A liderança científica do DAN evidencia como a investigação pública pode transformar um subproduto agrícola num recurso de elevado valor acrescentado, promovendo a inovação industrial, a redução de desperdícios e a criação de novos modelos de valorização da biomassa vegetal e contribuindo de forma concreta para a sustentabilidade alimentar.




