Por Maria João Gregório, diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável e docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.
Falar de promoção da alimentação saudável é, cada vez mais, falar dos ambientes em que vivemos, da comunidade em que nos inserimos e de políticas públicas que impactam o nosso dia a dia e condições de vida. E, por isso mesmo, o papel do poder local na promoção da saúde e, em particular da alimentação saudável, é incontornável.
Apesar de há muito se reconhecer que o poder local tem um papel crucial na promoção da saúde, foi apenas recentemente que essas competências foram formalmente atribuídas aos municípios portugueses. O Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, que concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da saúde, define que os municípios são parceiros estratégicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nos programas de prevenção da doença, em especial incidência na promoção de estilos de vida saudáveis e de envelhecimento ativo. Este reconhecimento legal abriu espaço para reforçar algo que já se fazia em muitos municípios.
As razões que sustentam esta responsabilidade e competência são várias e muito sólidas. Desde logo, porque a promoção da saúde e da alimentação saudável não se faz apenas nos serviços de saúde. Na verdade, e segundo alguns autores, apenas 15 a 20% da nossa saúde depende dos cuidados de saúde. Os restantes 80% exigem um trabalho direto com a comunidade e dirigido para os ambientes onde as pessoas vivem, trabalham, estudam e fazem as suas escolhas alimentares. E é aí que entram os municípios.
Vivemos ainda numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, que se refletem também na forma como comemos. O acesso a uma alimentação saudável depende de fatores como o rendimento, o acesso a transportes, a habitação, e, claro, a presença de ambientes alimentares saudáveis. Todas estas dimensões estão intimamente ligadas à ação das autarquias e às políticas públicas locais.
Além disso, a descentralização de competências em áreas como a educação e a ação social veio reforçar ainda mais a importância do papel das autarquias. Veja-se, por exemplo, a alimentação escolar. Hoje, os municípios gerem não só os refeitórios escolares como também todo o edificado escolar e com isso assumem uma responsabilidade direta sobre a forma como milhares de crianças se alimentam todos os dias.
E a verdade é que uma alimentação saudável na escola não depende apenas do que está no prato. Importa também criar espaços de refeição que sejam agradáveis, que convidem a estar, com menos ruído e com uma capacidade adequada ao número de refeições servidas. São aspetos que, apesar de parecerem secundários, fazem toda a diferença na relação das crianças com a alimentação e que podem determinar uma maior adesão às refeições escolares.
Acresce ainda que a alimentação escolar cumpre, na maioria dos casos, as normas técnicas existentes no nosso país, mas não basta garantir a qualidade da oferta alimentar. É fundamental garantir que as refeições escolares são aceites, valorizadas e consumidas. O estigma ainda associado à alimentação escolar, por exemplo, é um obstáculo real que deve ser enfrentado com estratégias de comunicação, de promoção e revalorização da “comida de cantina” e através do envolvimento de toda a comunidade escolar.
Na área da ação social, os municípios têm ainda um papel único enquanto atores de proximidade, capazes de identificar necessidades concretas e apoiar grupos vulneráveis com soluções adequadas, muitas vezes antes que qualquer outro nível de governação consiga intervir. Neste âmbito destaca-se a importância dos Núcleos Locais da Garantia para a Infância, que envolvem os municípios e que se encontram atualmente a ser criados em todo o país para operacionalizar o Plano de Ação da Garantia para a Infância. Enquanto estruturas fundamentais desta estratégia de combate à pobreza infantil, estes núcleos têm uma ação central para assegurar o acesso das crianças e jovens em situação de pobreza a serviços essenciais, nos quais se enquadra o acesso a uma alimentação adequada.
Outro aspeto fundamental, um pouco mais ambicioso, mas igualmente importante, prende-se com o licenciamento de estabelecimentos comerciais e a regulação do ambiente alimentar urbano. Tomar decisões sobre os estabelecimentos comerciais alimentares que rodeiam as nossas escolas, são em larga medida, decisões locais e que podem ter um impacto direto na saúde das populações.
Importa também destacar que temos hoje, em muitos municípios, a presença cada vez mais frequente de nutricionistas integrados nos quadros de pessoal das autarquias. Este reforço da capacidade técnica é essencial para que as autarquias possam exercer com competência e responsabilidade o seu papel na promoção da alimentação saudável.
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Por todos estes motivos, os municípios são, hoje, parceiros estratégicos para o setor da saúde. No entanto, para que esta parceria funcione de forma eficaz, será necessário garantir modelos de articulação claros e funcionais com as instituições locais de saúde, algo que, infelizmente, ainda está longe de ser uma realidade no nosso país. Com recursos escassos, importa reduzir redundâncias, evitar duplicação de esforços e otimizar recursos, o que só será possível com uma boa articulação.
Essa é, aliás, uma das 10 ações do Roteiro de Ação para Acelerar a Prevenção e Controlo da Obesidade em Portugal, publicado em março deste ano e no qual se prevê a criação de contratos-programa entre o setor da saúde e os municípios, em particular na área da promoção da alimentação saudável.
As eleições autárquicas de 2025 podem ser uma oportunidade crítica para colocar as estratégias alimentares na agenda da política local. É essencial que os programas eleitorais, os debates públicos e as prioridades dos próximos executivos autárquicos reconheçam a promoção da alimentação saudável como uma prioridade.
Promover a alimentação saudável não é apenas uma escolha individual. É uma responsabilidade coletiva e, cada vez mais, uma responsabilidade das autarquias para ter comunidades saudáveis, regiões mais produtivas e competitivas e aspirar ao bem-estar das populações.




