Pão pão, Queijo queijo 706

“Manias de nutricionista” dirão alguns, mas quem entre nós não consegue deixar de reparar nas escolhas alimentares dos outros quando estamos num restaurante, centro comercial ou até na praia? Admitindo desde já a minha “culpa”, devo dizer que mesmo em férias, não consigo deixar de olhar as escolhas alimentares dos que me rodeiam. E mais uma vez, neste verão vi de tudo um pouco: crianças de peso desejável a comer bolas de Berlim na praia e “gordinhos” a merendar fruta; famílias mais redondinhas a comer fast food como se não houvesse amanhã e outras de gente magrinha onde para a mesa só iam saladas; vi “gordos” a correr na praia e magros uma tarde inteira agarrados ao tablet debaixo da sombrinha… Conclusão: as aparências podem de facto iludir bastante!

Embora seja tentador atribuir culpas a certos alimentos ou comportamentos, a verdade é que o problema da obesidade vai muito para lá do óbvio. E se a nível individual reverter o peso excessivo já é difícil, quando o objetivo é reduzir a prevalência do excesso de peso e obesidade numa população a coisa ainda se complica mais! De facto, numa abordagem individual, o nutricionista pode com relativa facilidade conhecer os hábitos alimentares da pessoa e aplicar uma estratégia que permita corrigir os erros detetados. Mas quando falamos a um nível macro, torna-se difícil tomar decisões se não se conhecerem bem os padrões alimentares de uma população e seus subgrupos.

Isto mesmo parece pensar também a DGS, que recentemente apoiou a publicação de um artigo onde se procurou perceber o impacto de vários programas de promoção de alimentação saudável e/ou atividade física. A conclusão é simples: estes projetos estão geralmente mal descritos e torna-se difícil medir os seus resultados e/ou impactos. Por outro lado, assistimos ao lançamento de ideias e propostas que, à partida, parecem boas ideias – aplicar taxas sobre alimentos ou aumentar o número de nutricionistas no SNS. Mas sem um conjunto de dados e métricas, como poderemos garantir o sucesso destas ideias? Por exemplo, como escolher que alimentos taxar para reduzir a obesidade sem saber o que comem os portugueses? O único Inquérito Alimentar Nacional foi realizado em… 1980! Sem uma análise cuidada aos resultados do Inquérito que atualmente decorre, corremos o risco de alterar comportamentos alimentares sem que isso tenha qualquer impacto na redução da obesidade. E poderá o aumento de nutricionistas no SNS dar resposta à necessidade de educação alimentar da população se não estiver devidamente enquadrado e articulado? Qual a probabilidade de sucesso se, devido a fatores logísticos como a gestão de listas de espera, um nutricionista só conseguir seguir os seus utentes de 3 em 3 meses?

Felizmente, temos hoje uma perceção muito mais completa da complexidade de fatores que envolvem a obesidade. Podemos também aprender com os erros cometidos noutros países. Sejamos então capazes de desenvolver um trabalho de excelência, com fundamentação, uma boa estratégia e métricas que nos permitam aferir corretamente os resultados. Se desatarmos a disparar medidas só porque nos parecem boas ideias, corremos o risco de perder a credibilidade enquanto classe profissional, dando um verdadeiro tiro nos pés. Após anos a reclamar um lugar de destaque no combate à obesidade, não podemos falhar agora que nos é dada a responsabilidade de participar na resolução do problema. Porque se espera de nós que sejamos capazes de ver para lá do óbvio!

Rodrigo Abreu,

Nutricionista

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