Por Roberto Brazão, da Unidade de Observação e Vigilância, Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge
Em Portugal, a prevalência do excesso de peso e da obesidade entre os mais jovens é um preocupante problema de saúde pública. Dados de 2022 indicam que 31,9% das crianças entre os 6 e os 8 anos apresentam excesso de peso, dos quais 13,5% têm obesidade. Um fator crucial para esta realidade é o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, caracterizados pelo elevado valor energético e altos teores de ácidos gordos saturados, açúcares e sal.
A oferta alimentar atual, repleta de alimentos hiperpalatáveis, convenientes, amplamente disponíveis e acessíveis e, geralmente, mais baratos do que as opções alimentares mais saudáveis, tem contribuído para a crescente prevalência de excesso de peso nestas faixas etárias mais jovens. Adicionalmente, as diversas e cada vez mais sofisticadas estratégias de publicidade e marketing levantam sérias preocupações, sobretudo quando o público-alvo são as crianças.
As embalagens e os rótulos dos alimentos assumem um papel estratégico na comunicação com o consumidor, e, de forma ainda mais marcante, com o público infantil, dada a sua maior vulnerabilidade e a grande capacidade de persuadirem os pais. Neste contexto, as estratégias de marketing atualmente utilizadas, com o objetivo de promover a aceitação e o consumo continuado e crescente dos alimentos, vão além da informação exigida na legislação. Recorrem a informações complementares, como alegações nutricionais e de saúde e outras menções, e a elementos apelativos, como desenhos animados, mascotes, personagens, jogos, brinquedos e promoções, visando captar a atenção das crianças. Embora a intenção possa parecer inofensiva, está comprovado que estas táticas contribuem para o aumento do consumo de alimentos não alinhados com um padrão alimentar saudável.
Um estudo realizado em 2024 pelo Departamento de Alimentação e Nutrição, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, da minha autoria, avaliou 247 produtos alimentares visualmente apelativos para crianças, disponíveis no mercado português, abrangendo seis categorias distintas. Os resultados são claros e, simultaneamente, preocupantes: a vasta maioria desses produtos (98,8%) não cumpriu com os valores de referência da Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS), quando avaliados conjuntamente os teores de açúcares e sal, sendo que 97,6% excediam o valor de referência para os açúcares e 62,8% para o sal. Apenas 3 dos 247 produtos avaliados estavam de acordo com os valores estabelecidos na EIPAS.
Escolher o que comemos é também escolher o futuro do planeta
A análise mais aprofundada dos parâmetros nutricionais avaliados revelou que as percentagens de alimentos com teores médios ou altos de lípidos, ácidos gordos saturados, açúcares e sal são superiores a 50% para cada um destes parâmetros, atingindo uns preocupantes 97,6% no caso dos açúcares. O consumo excessivo destes nutrientes está diretamente associado à obesidade e ocorrência de várias outras doenças crónicas.
Verificou-se, ainda, que a utilização de uma ou mais alegações nutricionais e de saúde, menções e/ou outras mensagens/benefícios é uma prática comum, estando presente em 68,8% dos produtos analisados. Estes elementos, juntamente com a presença dos ícones, mascotes e outros elementos apelativos, desviam a atenção das características e da qualidade nutricional efetiva dos produtos em questão.
Existe legislação portuguesa – Lei n.º 30/2019 e Despacho n.º 7450-A/2019 – que impõe restrições à publicidade dirigida a menores de 16 anos para alimentos com elevado valor energético, e teor de sal, açúcar, ácidos gordos saturados e ácidos gordos trans, no entanto, não contempla as estratégias de marketing alimentar utilizadas nas embalagens e rótulos dos alimentos. Se os valores-limite definidos nesta legislação também abrangessem os elementos apelativos nas embalagens, 89,9% dos produtos avaliados seriam alvo de restrições na sua publicitação junto de menores.
Perante este cenário, é imperativo uma resposta multissetorial que promova escolhas alimentares mais saudáveis e proteja a saúde das crianças. Iniciativas de literacia e educação alimentar são fundamentais nesse processo, no entanto, conforme a Health Impact Pyramid (Frienden, T.R., 2010), não são estas as intervenções com maior impacto em saúde pública. A alteração nos fatores socioeconómicos e, sobretudo, a mudança no contexto alimentar, para facilitar decisões e promover escolhas individuais mais convenientes e saudáveis, são fundamentais para a proteção dos mais novos.
Para que esta mudança se verifique, é indispensável uma legislação mais abrangente e rigorosa, que regule de forma mais eficaz o marketing e a rotulagem alimentar, especialmente nos produtos dirigidos a crianças. Simultaneamente, é imperativo uma reformulação ainda mais intensiva e alargada dos alimentos, apesar dos resultados positivos já registados (apresentação pública no início de julho de 2025), e que são reveladores do envolvimento e empenho da indústria alimentar neste desígnio. A taxação de alimentos menos saudáveis e a atribuição de incentivos às alternativas saudáveis, poderá ser, igualmente, uma ferramenta importante para moldar os hábitos alimentares.
Em suma, existem no mercado português muitos produtos dirigidos a crianças que são verdadeiros “alimentos com capas de super-heróis” mas que escondem um perfil nutricional desadequado. É, assim, urgente a implementação de políticas públicas de saúde mais eficazes, capazes de proteger e garantir a saúde e bem-estar das nossas crianças.




