Ir ao castigo! 1665

Por Rodrigo Abreu, Nutricionista na Rodrigo Abreu & Associados e Fundador do Atelier de Nutrição®

 

O nome é, no mínimo, invulgar: “punishment juice”! Foi assim que a cadeia de retalho britânica Marks and Spencer (M&S) batizou o seu mais recente lançamento na categoria de sumos de fruta e vegetais prensados a frio. Se o objetivo era dar nas vistas, resultou! Desde que foi apresentado, muitas têm sido as reações ao nome escolhido. É que, embora a M&S alegue que o objetivo fosse criar uma solução nutricionalmente equilibrada e conveniente para atingir o consumo recomendado de frutas e vegetais, logo uma multidão se insurgiu contra a ideia de que ingerir alimentos saudáveis tenha de ser um castigo ou algo desagradável. De facto, vários nutricionistas vieram alertar para os efeitos negativos associados ao nome: as culturas tóxicas de dieta, a punição por excessos alimentares ou a ideia de alimentos/bebidas “detox”, são algumas das preocupações mencionadas por estes profissionais de saúde. Mas, será que a M&S não contou com a possibilidade de o nome ser mal recebido? Ou haverá algo mais…?

Aquando da apresentação do “sumo do castigo”, a marca explicou que o nome nasceu de uma piada da equipa que fez o desenvolvimento de produto. Mas uma piada não é razão suficiente para se lançar no mercado um produto com nome controverso. Na realidade, é sabido que os consumidores tendem a reagir a produtos com nomes provocadores, sobretudo no que diz respeito a sabores desafiantes. Alimentos muito picantes são um bom exemplo – há sempre consumidores dispostos a testar os seus limites e, melhor ainda para as marcas, a divulgá-los nas suas redes sociais. Sabores estranhos despertam curiosidade e a nossa atenção também é captada por mensagens provocadoras: se o produto se chamasse “sumo nutritivo”, teríamos reparado nele da mesma forma?

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Adicionalmente, há outros fatores a considerar. Muitos consumidores acreditam que um produto só é eficaz se for algo desagradável. Existe a ideia generalizada de que um alimento saudável e nutritivo não sabe bem; pelo contrário, um alimento indulgente e saboroso não pode ser saudável… Não é por isso de estranhar que características como acidez ou ardência, em produtos com frutas, vegetais, ervas aromáticas ou especiarias, possam ser associadas a efeitos mais potentes e benéficos. Embora o senso comum nos faça pensar que quanto mais saboroso um produto, maior a sua aceitação, quando se trata de perceções sobre alimentos saudáveis, a tendência pode ser oposta: quanto mais saudável for o alimento, menos saboroso será (1) (2) (3).

Esta propensão para a auto-penitência (em boa parte, justificada pela matriz judaico-cristã da nossa sociedade e pelas noções de pecado) pode ser observada por todos aqueles que dão consultas de Nutrição há algum tempo: seguramente, já receberam utentes que vêm mentalizados para se entregarem aos sacrifícios exigidos pelo Nutricionista. Algumas destas pessoas até exigem a dieta mais rígida possível, não só porque acreditam que trará mais resultados, mas também porque acham que merecem castigo pelos excessos que cometeram ou pelo desleixo relativamente ao seu corpo.

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Ainda é cedo para perceber se o “punishment juice” será um sucesso de vendas ou se ajudará mais britânicos a atingir os “Five a Day”. Mas para lá do ruído em torno deste lançamento, há uma oportunidade de os Nutricionistas refletirem sobre a forma como abordam a alimentação saudável (e menos saudável). Quando se apelidam de “lixo” alimentos com mais sal, açúcar ou gordura, a outra face da moeda é que alimentos saudáveis possam ser vistos como “castigos”. Quando se promove e incentiva a adoção de estilos de vida saudáveis, através de bons hábitos alimentares e prática de atividade física, é fundamental garantir que aqueles que comem menos bem ou que se mexem pouco, não se sentem merecedores de punição. Afinal, o que todos queremos é que ir ao Nutricionista não seja um castigo, mas uma forma de esperança e alegria rumo a uma vida melhor!