Artigo de opinião originalmente publicado na edição #98 da revista VIVER SAUDÁVEL. Por Pedro Queiroz, diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares e docente da Licenciatura em Ciências da Nutrição na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Por ocasião do mais recente Dia Mundial da Alimentação, o PNPAS – com a chancela da DGS – publicou o “Catálogo Digital de Alimentos”, apresentando-o como “uma nova ferramenta digital cujo objetivo é ajudar a fazer escolhas alimentares mais saudáveis”. Mas será uma ferramenta verdadeiramente útil ou uma troca de informação por confusão? Digo desde já que estamos perante uma situação grave, que nos deve levar todos a uma reflexão, em particular entidades públicas, academia, nutricionistas e operadores económicos. E aqui deixo o meu contributo pessoal.
Como é amplamente sabido, o rótulo é o meio mais fidedigno e atualizado de informação ao consumidor e a indústria alimentar foi sendo pioneira num conjunto de informações que reforçaram a sua relação com os consumidores.
Quais são então os pecados de um catálogo que vem publicitar a possibilidade de “explorar, de forma simples e intuitiva, a composição nutricional e lista de ingredientes”? Infelizmente muitos.
Em primeiro lugar, a sua desatualização. Estamos na reta final de 2025 e o dito catálogo inclui informação datada de (imagine-se) 2022. É certo que refere uma atualização de dois em dois anos. Portanto, em 2026 estaremos a lidar com dados de 2024, com o objetivo de (pasme-se) ter uma “ferramenta atualizada periodicamente”. Eu diria antes desatualizada permanentemente.
No entanto, não se fica por aqui. O mais grave é que vários dados apresentados estão desatualizados face à informação nutricional e à lista de ingredientes que estão nos rótulos à data em que o leitor se encontra, com paciência, a ler esta reflexão.
Feita uma análise séria e detalhada por uma das principais marcas incluídas, constata-se que, de todos os seus produtos presentes no catálogo, 33% já foram descontinuados e, entre aqueles que ainda estão no mercado, 56% não correspondem à atual composição. Num outro exercício, um dos operadores refere que, dos seus 23 produtos listados, apenas 3 estão de acordo com as atuais informações de rotulagem, ou seja 13%. Uma outra marca refere ter detetado produtos que lhe são atribuídos, mas que nunca pertenceram ao seu portefólio! Isto só para dar alguns exemplos de um trabalho apresentado como “o compromisso da Direção-Geral da Saúde com a disponibilização de informação rigorosa e acessível à população”. Mas haverá melhor e mais rigorosa informação do que os próprios rótulos no momento da compra?
Como se não bastasse, foram aplicados em simultâneo o Nutriscore e o “Semáforo nutricional”, tornando evidentes as suas inconsistências. Produtos diferentes com classificações idênticas, de acordo com o “Semáforo nutricional”, recebem classificações substancialmente diferentes quando avaliados com o Nutriscore. Para dar exemplos, produtos que são “baixo em teor de gordura”, “baixo em teor de açúcar” e “baixo em teor de sal”, na classificação pelo “Semáforo nutricional”, aparecem classificados com C ou D quando avaliados pelo algoritmo Nutriscore, o que gera uma preocupante incoerência de informação.
FCNAUP assume gestão do Catálogo Digital de Alimentos da DGS
Fica ainda uma preocupação legal. De acordo com a legislação comunitária, a responsabilidade de informação aos consumidores é do “operador sob cujo nome ou firma o género alimentício é comercializado”, o qual deve “assegurar a presença e a exatidão da informação de acordo com a legislação em matéria de informação sobre os géneros alimentícios”. A disponibilização de uma ferramenta pública incompleta, desatualizada e não validada pelos fabricantes pode induzir os consumidores em erro e constituir potencialmente uma não conformidade legal. É, pois, espantoso que haja uma apropriação e divulgação de informação associada a marcas sem que nenhuma delas tenha sido consultada!
A indústria alimentar e das bebidas tem demostrado, por diversas vezes, uma vocação colaborativa com as políticas públicas. Tem dinamizado e apoiado um conjunto de iniciativas que acabaram enaltecidas pelos governos, nomeadamente o recente plano de reformulação nutricional que atingiu os objetivos a que se propôs. Desta vez foi surpreendida por uma iniciativa que dispensa mais palavras. Haja bom senso!




