
Por Rodrigo Abreu, Nutricionista na Rodrigo Abreu & Associados e Fundador do Atelier de Nutrição®
Naqueles anos do princípio da década de 2000, imediatamente após ter concluído a Licenciatura, era frequente partilhar com colegas a dificuldade em “provar” o valor e utilidade da nossa profissão. A falta de dados relativos às intervenções nutricionais tornava difícil medir o impacto da atuação do nutricionista em áreas como a Saúde Pública ou o Desporto.
Sim, fazia sentido que o nosso trabalho pudesse contribuir para prevenir ou atenuar uma série de condições de saúde (as mais óbvias, na altura, a diabetes ou as doenças cardiovasculares). Também fazia sentido que um atleta tivesse de se alimentar corretamente para melhorar o seu desempenho desportivo, mas como medir os ganhos proporcionados pela intervenção dos nutricionistas? Simplesmente, não havia dados suficientes para suportar estas perceções.
Assim, muitos dos primeiros nutricionistas foram contratados pela convicção de pessoas (diretores de serviço, dirigentes desportivos ou donos de clínicas) que acreditavam no potencial da Nutrição e na capacidade dos nutricionistas desenvolverem corretamente o seu trabalho. E foram precisamente muitos destes nutricionistas pioneiros quem começou a documentação das intervenções nutricionais e seus resultados, gerando evidência capaz de suportar a validade e valor da profissão.
Passaram mais de duas décadas e o impacto da Nutrição em diversas áreas tornou-se quase unanimemente óbvio. Há estudos, mais ou menos robustos, capazes de demonstrar a eficácia de intervenções nutricionais numa enorme variedade de cenários. Felizmente, hoje já não se questiona se a Nutrição pode influenciar o rendimento de um atleta, ou se pode gerar poupanças significativas aos Sistemas de Saúde. Mas este reconhecimento da Nutrição parece agora ser a causa de um efeito perverso.
Passou-se de uma certa reserva e cautela a apregoar os benefícios da Nutrição, para uma tendência exagerada de a considerar panaceia para todos os problemas. A proliferação de nutricionistas (e a consequente pressão para que entrem no mercado de trabalho), parece endurecer o discurso, fazendo da Nutrição uma ferramenta não apenas útil, mas absolutamente necessária e inquestionável. Nestas narrativas, o nutricionista é totalmente indispensável, e torna-se inquestionável a necessidade da sua contratação ou a importância da sua atuação. Nas redes sociais, mesmo nas mais usadas em contexto profissional, tornou-se habitual ver publicações que enaltecem os feitos dos nutricionistas, que são apresentados como essenciais em conquistas desportivas, responsáveis pela melhorias de Saúde Pública, ou prescritores de alimentos e suplementos capazes de tratar todo o tipo de doenças.
No entanto, convém ter em conta que esta narrativa empolgada tem um reverso. Se quando tudo “corre bem” é mérito do nutricionista, isso significa que se “correr mal” a culpa é sua? Ou que o nutricionista tem menos importância quando os resultados não são tão bons? Por exemplo, se um clube desportivo contrata um nutricionista e os resultados desportivos são piores nessa época, foi o nutricionista que contribuiu para esse mau resultado? Se há mais nutricionistas nas ULS, mas os números da obesidade infantil se agravam (usando a evolução dos dados da COSI como exemplo), isso significa que estes profissionais estão a fazer um mau trabalho? Obviamente que não! Poucas áreas são tão interdisciplinares como a Nutrição. A obesidade e as doenças associadas têm causas multifatoriais, razão pela qual a sua evolução depende de mais que apenas a intervenção do nutricionista. Do mesmo modo, os resultados desportivos de um atleta ou clube, não dependem só das estratégias nutricionais.
Por isso, a luta pela valorização da Nutrição não pode ser oportunista, aparecendo quando há boas notícias e ficando em silêncio quando interessa. Tão importante como reconhecer o papel do nutricionista, é reconhecer o seu enquadramento e limitações. O trabalho de afirmação da Nutrição nunca estará terminado, mas para que possa avançar e estabelecer-se cada vez mais, é fundamental reconhecer também a importância que não temos.




