Preços vão agravar situação de fome e crise alimentar mundial que se avizinha, diz ONG alemã 810

A agência alemã de ajuda humanitária Welthungehrilfe alerta para uma crise de fome que se avizinha em todo o mundo e diz que o aumento sem precedentes do preço dos alimentos vai agravar a situação.

Em entrevista à agência Lusa, a conselheira sénior de política da organização, Anne-Catrin Hemmel, explicou que, “mesmo antes da guerra na Ucrânia, o número de pessoas famintas em todo o mundo estava a crescer a um ritmo constante devido às alterações climáticas, a guerras e às consequências da pandemia de covid-19”.

No entanto, o bloqueio das exportações de cereais da Ucrânia e da Rússia e grande escassez de fertilizantes essenciais – provocados pela guerra – “já estão a ter um impacto adverso dramático e vão agravar ainda mais o estado global da nutrição”.

A responsável lembrou que o secretário-geral da Welthungerhilfe já admitiu que as perspetivas “são sombrias” e que a sobreposição de crises torna a situação muito perigosa.

“Só no corno de África [península da Somália] há cerca de 15 milhões de pessoas que correm o risco de fome aguda devido à seca severa e ao aumento dos preços da comida”, referiu Anne-catrin Hemmel.

A Welthungerhilfe, agência que produz, todos os anos, um Índice Global da Fome avisou, na edição de 2021, que o combate à fome está perigosamente aquém dos seus objetivos.

“Já em 2021 havia 811 milhões de pessoas que não tinham o que comer”, adiantou à Lusa a conselheira da agência alemã, lembrando que esse número já é de outubro.

“De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o número de pessoas desnutridas em todo o mundo – se houver uma interrupção prolongada das exportações de trigo, fertilizantes e outros itens da Ucrânia e da Rússia – pode aumentar em entre oito e 13 milhões de pessoas em 2022/23”, sobretudo “na região da Ásia-Pacífico, seguida pela África subsaariana, Médio Oriente e Norte da África”.

Para esta analista, a resposta à situação atual tem de passar pela ajuda humanitária, nomeadamente aumentando o poder de compra das pessoas mais pobres, ampliando a distribuição de alimentos, incluindo das refeições escolares, e reduzindo, através de financiamento, a diferença dos preços que mais subiram.

Além disso, adiantou, “é preciso garantir a disponibilidade de alimentos em regiões de insegurança alimentar, mantendo as cadeias de abastecimento agrícolas e assegurando acesso aos alimentos”, e “prevenir, a todo o custo, os défices das colheitas, facilitando o acesso, em particular dos pequenos agricultores, a sementes, fertilizantes e combustível”.

Por outro lado, Anne-Catrin Hemmel sublinha ser imprescindível que se “evitem restrições à exportação de alimentos, combustível, sementes e fertilizantes”.

A situação de atual bloqueio dos portos da Ucrânia, que reduziu substancialmente as exportações de cereais daquele país, considerado um dos principais produtores mundiais, é condenada veementemente pela organização.

“Foi relatado que os bloqueios russos impedem que navios zarpem com trigo, milho e outras exportações. As forças russas também foram acusadas de roubar cereais e de destruir deliberadamente armazéns na Ucrânia. Portanto, testemunhamos a fome a ser usada como arma [de guerra] e condenamos, nos termos mais fortes, qualquer violação dos direitos humanos em geral e do direito humano à alimentação em particular”, afirmou.

Por outro lado, a responsável defendeu a necessidade de fortalecer os sistemas alimentares regionais e de apoiar a diversificação, sobretudo nos países do hemisfério sul, onde há mais insegurança alimentar.

Até porque, alertou a consultora de políticas, é sabido que a fome e a insegurança alimentar desencadeiam, muitas vezes, agitação social e violência.

“Vemos semelhanças entre a situação atual e os preços crescentes dos alimentos em 2007 e 2008 que levaram a ‘motins alimentares’ em todo o mundo”, afirmou, explicando que isso acontece também porque os desafios do acesso a alimentos foram agravados pela pandemia.

“No início de 2011, depois de os preços dos alimentos terem atingido um pico em 2007/2008, o mundo testemunhou uma onda sem precedentes de revoltas políticas no Médio Oriente, conhecida como ‘Primavera Árabe’, quando manifestantes marcharam, da Tunísia ao Egito e ao Iémen, exigindo a queda dos regimes”, recordou Anne-Catrin Hemmel.

Também hoje, “além das preocupações humanitárias, surgem receios de que o aumento do preço dos alimentos, na sequência da pandemia e das secas severas, possa desencadear distúrbios civis”, concluiu.