A Conferência Internacional sobre Contaminantes Alimentares (ICFC, na sigla em inglês), organizada pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), realiza-se nos dias 25 e 26 de setembro, na Região Autónoma da Madeira.
Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, a investigadora e presidente do evento, Paula Alvito, destaca a promoção de uma abordagem multidisciplinar entre investigadores e nutricionistas, com vista ao aprofundamento do conhecimento sobre os contaminantes alimentares e os seus efeitos na saúde humana.
Ao reunir especialistas de áreas como a toxicologia e a microbiologia, a conferência apresenta-se como uma oportunidade única para os nutricionistas compreenderem melhor os processos laboratoriais que sustentam os dados utilizados na prática clínica.
VIVER SAUDÁVEL (VS) – O que distingue a 6.ª edição da ICFC das anteriores?
Paula Alvito (PA) – A série de conferências intitulada International Conference on Food Contaminants (ICFC) é uma iniciativa do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em Lisboa, Portugal, realizada bienalmente desde a sua primeira edição, em 2015. Este evento surgiu da necessidade de criar um espaço específico de partilha e reflexão para a comunidade científica sobre o impacto dos contaminantes presentes nos alimentos na saúde humana — uma temática geralmente abordada de forma mais ampla nas conferências sobre segurança alimentar. Simultaneamente, procura-se identificar e antecipar os desafios futuros no domínio da segurança alimentar e da saúde pública, promovendo a discussão em tópicos que se preveem com impacto futuro.
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A conferência foi inicialmente organizada em colaboração com prestigiadas universidades portuguesas, como as Universidades do Minho e de Aveiro. Em 2023, foi dado um passo importante ao realizar-se, pela primeira vez, fora de Portugal, no Brasil, ampliando o debate científico através do contato com novas realidades, soluções e oportunidades de intercâmbio de conhecimento.
A edição de 2025 destaca-se por dois aspetos particulares. O primeiro é a sua realização em parceria com a Reunião Anual do PortFIR, focada sobretudo em aspetos nacionais de governança e regulamentação da segurança alimentar, o que representa uma excelente plataforma introdutória/complementar para as discussões científicas a ocorrerem no ICFC2025.
O segundo aspeto, e talvez o mais relevante, é a realização do evento na Região Autónoma da Madeira. Esta escolha contribui para a promoção da coesão territorial, o acesso descentralizado à informação técnico-científica, a capacitação regional e a valorização do conhecimento produzido localmente e/ou aspetos científicos específicos desta região que necessitem de ser analisados, em prol da proteção da saúde da população residente e do Continente. Pretende-se, assim, contribuir para projetar a Madeira como um destino de excelência para a realização de eventos científicos, reforçando a sua visibilidade e atratividade no campo da segurança alimentar e da saúde humana.
VS – Por que razão o tema dos contaminantes emergentes e da saúde planetária foi escolhido este ano?
PA – Conforme descrito no artigo intitulado “Contaminantes Emergentes: Um Desafio Global para a Saúde e o Meio Ambiente”, publicado pela VIVER SAUDÁVEL em 4 de dezembro de 2024, torna-se urgente e necessário avaliar os impactos na saúde decorrentes da presença de contaminantes nos alimentos e no ambiente como os microplásticos, toxinas marinhas, micotoxinas, pesticidas, entre outros. O artigo destaca que “a persistência e bioacumulação dos contaminantes emergentes causam preocupação devido aos seus efeitos na saúde humana, animal e nos ecossistemas… Para um futuro mais sustentável e saudável, é essencial investir em investigação, promover a cooperação internacional e fortalecer políticas públicas com uma abordagem integrada entre saúde humana, animal e ambiental”.
Essa abordagem integrada está refletida no conceito de “One Health” (Uma Só Saúde), que tem vindo a reforçar a consciência global de que todos os elementos – saúde humana, saúde animal e meio ambiente – estão interligados. A alteração de qualquer um desses componentes repercute-se diretamente sobre os demais. Por isso, é cada vez mais necessário analisar, com seriedade e urgência, a realidade que nos cerca, com o objetivo de gerar evidências científicas que identifiquem essas interconexões e nos capacitem a reagir de forma mais eficaz às mudanças que já estão ocorrendo — ou que certamente ocorrerão.
Além disso, as alterações climáticas agravam esse cenário, contribuindo decisivamente para a ocorrência de desequilíbrios na saúde ambiental, que inevitavelmente impactam todos os seres vivos. Adicionalmente, esta crescente preocupação tem impulsionado a criação de programas doutorais e cursos recentes (ou ainda em preparação) direcionados para a análise das temáticas associadas à saúde planetária, o que reflete a atualidade e importância do tema.
Face a este contexto, e considerando que as conferências ICFC foram concebidas para “avaliar o presente com vista a preparar o futuro”, a organização reconheceu a extrema relevância deste tema e a necessidade de promovê-lo como objeto de debate entre investigadores, técnicos, academia, indústria, reguladores, autoridades governamentais e privadas e sociedade civil. O objetivo é contribuir, de forma significativa, para um processo aprofundado de reflexão e ação que responda aos desafios atuais e futuros.
VS – Quais são os grandes focos de investigação atuais e aqueles que vão marcar o futuro da comunidade científica?
PA – No âmbito da conferência que organizamos sobre contaminantes alimentares e saúde humana, podemos referir que os tópicos científicos a debater e que refletem áreas de trabalho em franco desenvolvimento, identificadas pela comunidade científica, são quatro e incluem i) segurança dos alimentos e saúde planetária, que incluirá uma mesa redonda com representantes internacionais, nacionais e regionais que debateram as políticas públicas implementadas para mitigação dos contaminantes e o seu impacto na saúde planetária (quais os planos em vigor para monitorizar estes contaminantes? Quais os resultados obtidos e as melhorias em saúde? Quais as lacunas de conhecimento? Propostas de ação?); ii) ocorrência e avaliação do risco da exposição a contaminantes químicos e microbiológicos (Que métodos existem para avaliar os riscos de exposição? Há populações vulneráveis prioritárias a estudar? Ocorrem efeitos em fases iniciais da vida? A preparação culinária afeta o seu nível de toxicidade?), iii) avanços tecnológicos na determinação de contaminantes (métodos de quantificação disponíveis? limitações no seu desenvolvimento? Intoxicaçoes emergentes? comunicação dos resultados obtidos?) e iv) efeitos tóxicos decorrentes da exposição humana e seu efeito no microbioma intestinal (quais os sistemas biológicos mais afetados pela exposição? E quais os efeitos das misturas? Qual o contributo das ciências ómicas nesta área?).
VS – Quantos países estão representados e que oradores destaca?
PA – O evento conta com participantes nacionais de todo o pais e de vários países europeus como Espanha, França, Itália, Bélgica, Reino Unido e ainda Brasil. A conferencia ICFC2025, será iniciada com uma Key Lecture, a cargo do Chefe-cientista da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA, Itália), Dr. Carlos Gonçalo das Neves, intitulada “One Planet… many contaminants! How can a One Health approach help address these complex challenges” (sessão 1). Esta será a abordagem à volta da qual toda a conferência se irá desenvolver, durante quatro sessões.
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Destacam-se ainda as abordagens da Prof. Dr. Marthe de Boevre, da Universidade de Gent, Bélgica, e do Prof. Dr. Carlos Oliveira, Universidade de S. Paulo, Brasil. sobre a biomonitorização humana de contaminantes e efeitos precoces na saúde; Prof Dr. Ana Gago-Martínez, da Universidade de Vigo, Espanha e atual presidente da AOAC e especialista na determinação analítica de toxinas emergentes (secção 3) e da Dr. Isabel Oswald, toxicologista de renome mundial na área do microbioma intestinal e efeitos tóxicos em contaminantes, do Instituto Francês de Pesquisa em Agricultura, Alimentação e Ambiente, França.
VS – Como podem os nutricionistas contribuir positivamente para a temática e que aspetos devem reter para o seu trabalho?
PA – Uma das importantes atitudes a reter é a multidisciplinaridade das áreas abordadas. Os nutricionistas poderão enriquecer a sua atividade pela sua participação e colaboração ativa com profissionais da saúde de outras áreas científicas de investigação, nomeadamente, biólogos, toxicologistas, químicos, e muitos outros, que lhes permitiram aprofundar mais a componente científica que a sua atividade requer.
Como investigador de laboratório, tenho a sensação que os nutricionistas têm pouca noção do que se faz num laboratório, sobre o processo científico em si, do processo que leva à obtenção de dados e do seu significado. Penso que, ao participar em conferências como estas, poderão ter uma visão mais completa das diferentes abordagens científicas que estão por detrás dos dados existentes e que usam na sua profissão (por ex, dos dados que usam quando estão a fazer uma consulta clínica usando dados da composição dos alimentos, determinados através de ensaios laboratoriais, ou mesmo fundamentar de forma mais sustentável a escolha de uma dieta mais saudável e segura). O intercâmbio entre investigadores e nutricionistas é obviamente enriquecedor não só para os nutricionistas mas também para toda a comunidade cientifica, podendo ir mais longe em conjunto.




