
Por Rodrigo Abreu, Nutricionista na Rodrigo Abreu & Associados e Fundador do Atelier de Nutrição®
Na complexa teia que envolve a alimentação, a saúde e o bem-estar, os nutricionistas ocupam um lugar central. São mediadores entre o conhecimento científico e as escolhas quotidianas das pessoas, transpondo evidência para o prato. No entanto, esse papel está longe de ser linear. Entre os muitos atores que influenciam o que comemos — a produção agrícola, a transformação alimentar, a distribuição, os media, os decisores políticos e os próprios consumidores — crescem expetativas sobre o posicionamento do nutricionista, e surgem por isso posturas distintas.
Deverão os nutricionistas erguer “muros”, para manter a sua independência e rigor, ou, pelo contrário, é fundamental que criem “pontes” para dar o seu contributo e exercer a sua influência num mundo cada vez mais interligado?
Os que defendem “muros” valorizam a independência e a integridade científica como princípios inegociáveis. Para estes profissionais, manter uma distância crítica em relação às forças económicas e comerciais é essencial para preservar a credibilidade da Nutrição. A produção, transformação e distribuição alimentar, argumentam, têm interesses próprios — vender produtos, muitas vezes em conflito com a promoção da saúde pública.
A proximidade excessiva do nutricionista com estes agentes pode criar zonas cinzentas de influência, enviesar recomendações e corroer a credibilidade da população. Assim, os “muros” tornam-se um símbolo de proteção — da autonomia profissional, da objetividade científica e da confiança da sociedade.
Mas há também quem defenda as “pontes”. Vivemos num mundo interligado, onde os desafios da Nutrição — desde a obesidade até à sustentabilidade alimentar — não se resolvem em silos isolados. A colaboração entre nutricionistas, indústria e consumidores pode ser uma força transformadora. Trabalhar com a indústria permite reformular produtos, melhorar a rotulagem, ou promover campanhas de educação alimentar com maior alcance.
Pode ainda abrir portas à investigação nutricional, com as devidas salvaguardas de credibilidade e isenção. Construir pontes, neste contexto, não significa ceder à influência; significa participar ativamente, com transparência e espírito crítico, nos espaços onde se tomam decisões que afetam milhões de pessoas.
Talvez a resposta não esteja em escolher entre pontes ou muros, mas em saber quando e como construí-los. Os muros podem proteger, mas também isolar. As pontes podem unir, mas também expor. O verdadeiro desafio ético e profissional do nutricionista é manter-se fiel ao rigor científico e ao interesse público, independentemente do lado onde atua.
A independência não implica afastamento; implica clareza de propósito. E a colaboração não implica submissão; implica responsabilidade e transparência. Num tempo em que a desinformação abunda e as fronteiras entre comunicação, marketing e ciência se confundem, o nutricionista é chamado a ser mais do que um técnico: tem de ser um guardião de muros e pontes.




