O autointitulado “Movimento pela Verdade”, de caráter anónimo e constituído por membros da Ordem dos Nutricionistas (ON), veio solicitar a “intervenção urgente e direta” da ministra da Saúde, perante um conjunto de “alegadas irregularidades” que terão sido praticadas pela atual Direção da ON.
Através de uma carta aberta, datada de 24 de outubro, o Movimento denuncia um conjunto de cinco alegadas irregularidades cometidas pela Direção da ON. O documento foi dirigido por email à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, bem como aos responsáveis de três órgãos da Ordem: Maria Palma Mateus (Conselho Geral), André Moreira (Conselho de Supervisão) e Lino Mendes (Conselho Jurisdicional). A VIVER SAUDÁVEL foi também um dos destinatários deste email.
Em comunicado enviado à VIVER SAUDÁVEL, a Direção da Ordem contrapõe todos os pontos, condena as “acusações falsas” e avisa que “não se deixará condicionar por estas formas de atuação“.
Já o “Movimento pela Verdade”, em resposta às questões enviadas, por escrito, pela VIVER SAUDÁVEL, revela contar com membros que exercem funções em órgãos da ON. Para já, opta pela “reserva e descrição”.
Os queixosos falam em conflito de interesses, suspensão de auditorias, falta de transparência nos contratos públicos, contratações sem concurso e da supressão do Livro de Reclamações da Ordem.
Independência interna
“Como é possível que o Conselho de Supervisão e o Conselho Jurisdicional, órgãos independentes por definição estatutária, sejam atualmente assessorados pelos mesmos assessores da senhora bastonária?”, questiona o Movimento, no primeiro de cinco pontos acusatórios, referindo-se a dois funcionários.
Para os elementos que redigiram a carta aberta, “tal prática suscita graves dúvidas quanto à isenção, imparcialidade e independência no acesso e tratamento da informação, comprometendo potencialmente a confiança dos membros da Ordem nos processos de supervisão e justiça interna”.
O grupo lembra que “o Conselho de Supervisão é responsável por garantir a legalidade e conformidade da atividade dos órgãos da Ordem, enquanto o Conselho Jurisdicional constitui o órgão máximo de justiça, incumbido de decidir sobre recursos, processos disciplinares e interpretação estatutária”.
À VIVER SAUDÁVEL, a Direção informa que “a estrutura de assessoria à bastonária não sofreu qualquer alteração”. Como “consequência da ausência da assessora da bastonária, por motivos de saúde, os colaboradores do Departamento de Comunicação passaram a acompanhar a bastonária em algumas visitas oficiais e eventos”, acrescenta.
No entanto, os profissionais em causa não tiveram “acesso ao e-mail do Gabinete, ficheiros ou pastas do mesmo, pelo que a afirmação de atribuição de funções de assessoria a estes colaboradores é falsa e não tem qualquer fundamento“. Além disso, “a isenção, imparcialidade e independência do Conselho de Supervisão e do Conselho Jurisdicional nunca foi colocada em causa, nem nenhum desses órgãos alguma vez questionou a Direção sobre o profissionalismo e sigilo dos seus assessores”.
Livro de Reclamações
O Movimento afirma que a atual Direção da ON determinou “a retirada do Livro Oficial de Reclamações, instrumento disponível há 13 anos e essencial para que os membros pudessem exercer o seu direito de defesa”.
Em comunicado, a Direção reitera que “as Ordens profissionais não estão obrigadas por lei à disponibilização de um livro de Reclamações“, ao explicar que “as queixas apresentadas têm originado apenas uma resposta por parte da tutela [Ministério da Saúde], em que a mesma se declara incompetente para apreciar essa reclamação, porquanto a mesma não é atendida“.
A decisão de de retirar o Livro de Reclamações – “por não ser este um meio adequado” – tem como objetivo “facilitar a apresentação de uma reclamação por qualquer membro ou terceiro de forma consequente, podendo ser apresentada por carta, verbalmente, por email ou através de canais próprios existentes na ON”.
A Direção assegura “a confidencialidade dos dados, a gestão rigorosa das comunicações recebidas e o devido encaminhamento e resposta“. Ou seja, concluem, “trata-se de uma medida para reforçar o efetivo exercício o seu direito de reclamação e defesa”.
O Estatuto da ON define, por exemplo, que deve ser disponibilizado online um “procedimento de apresentação de queixa ou reclamações pelos destinatários, relativamente aos serviços prestados pelos profissionais no âmbito da sua atividade”. Neste momento, a Ordem conta não só com um Canal de Denúncias dirigido a profissionais com quem tenha ligações profissionais, como também com um Provedor dos Destinatários dos Serviços.
Auditorias de qualidade
No terceiro ponto de acusação, são questionados os fundamentos para a suspensão “das auditorias previstas no âmbito do Sistema de Gestão e Qualidade”. O Movimento considera que “uma auditoria independente constitui um mecanismo fundamental de controlo e melhoria contínua, cuja ausência fragiliza a credibilidade da gestão interna e levanta suspeitas quanto à vontade de garantir uma supervisão efetiva da atuação da Direção”.
Em sentido contrário – “após uma reflexão ponderada sobre os contributos que o Sistema trouxe à ON”, e “apesar dos esforços compreendidos” – a Direção avança que “não existem evidências de que a certificação tenha efetivamente conduzido à adoção de boas práticas ou a uma melhoria consistente do desempenho“.
Como consequência, optou-se pela suspensão das auditorias e pela revisão de todo o Sistema. Ainda assim, a Direção “mantém a expectativa de poder retomar este compromisso, uma vez reunidas as condições de preparação e recursos exigidos para tal”.
Contratos públicos
“Apesar de ter celebrado dezenas de contratos no mesmo período”, a Direção “publicou um único contrato no Portal BASE – Contratos Públicos Online”, assegura o Movimento, ao dizer que “tal omissão viola os princípios da legalidade, transparência e prestação de contas perante os membros da Ordem e a sociedade civil“.
Uma pesquisa no Portal BASE permite atestar que, em dois anos, apenas existe um contrato publicado – trata-se da “Prestação de serviços de aconselhamento estratégico e assessoria mediática”, por ajuste direto.
“A informação no Portal BASE GOV encontra-se em atualização“, começa por escrever o órgão chefiado por Liliana Sousa, no que aos contratos diz respeito. “Por diversos constrangimentos, alguns deles alheios à Direção, só foi possível iniciar este processo no presente ano”, é referido.
Contudo, complementa a Direção, “todos os serviços encontram-se devidamente contratualizados e os seus montantes encontram-se devidamente orçamentados, constando no Orçamento aprovado no início deste ano”. No fim, fica a garantia de que “a situação ficará regularizada até ao final de 2025“.
Contratações “sem concurso”
No quinto e último ponto acusatório apresentado na carta aberta, é evocada a Lei n.º 2/2013 que, no n.º 2 do artigo 41.º, presente no Capítulo V, determina que “a celebração de contrato de trabalho deve ser precedida de um processo de seleção que obedeça aos princípios da igualdade, da transparência, da publicidade e da fundamentação com base em critérios objetivos de seleção”.
Perante este cenário, o grupo anónimo escreve: “desde que a atual Direção tomou posse, foram contratados quatro nutricionistas sem que tenha sido publicitada qualquer oferta de emprego, prática que contraria a lei e compromete a igualdade de oportunidades entre os membros da Ordem”.
Sobre este aspeto, a Direção clarifica que, “ao contrário do que é afirmado na carta aberta, a celebração de contratos de trabalho não implica a realização de qualquer concurso público, sendo essa contratação regulada pelo Código do Trabalho”.
“Esse facto não reflete, de modo algum, falta de transparência, mas sim uma maior agilidade e eficácia nos processos de recrutamento”, é referido, com a certeza de que as contratações “seguem os procedimentos e boas práticas, assegurando critérios de mérito, equidade e transparência na seleção dos candidatos”.
“Espaço de opacidade e censura”
Nas considerações finais expressas na carta aberta, o Movimento “manifesta profunda preocupação com o atual estado de governação da Ordem dos Nutricionistas, que aparenta afastar-se dos princípios basilares de uma associação pública profissional democrática e transparente”.
Tendo em conta as alegadas irregularidades, o grupo considera que a ON “deixa de servir os seus membros e passa a servir interesses internos, tornando-se um espaço de opacidade e censura institucional “.
Em concordância, solicitam a “intervenção urgente e direta” da ministra da Saúde, bem como dos órgãos independentes da ON, “a fim de repor a legalidade, a transparência e a liberdade interna desta instituição, em defesa da ética, da justiça e do respeito pelos seus membros”.
“Insinuações falsas”
Do outro lado da argumentação, a Direção da ON – que garante não ter recebido formalmente esta carta aberta – “não se revê nas acusações falsas e nas insinuações” do Movimento.
“A forma de atuação do apelidado ‘Movimento pela Verdade’, cujo autor ou autores se escondem sob anonimato, com insinuações falsas e deturpadas, não visa promover a transparência que alegam querer, mas apenas condicionar a atuação dos Órgãos da Ordem e colocar em causa o bom nome da Instituição“, lê-se ainda.
Finalmente, a Direção “não se deixará condicionar por estas formas de atuação, continuando a pautar a sua atuação pela legalidade, transparência, pelo rigor da sua gestão, e pela defesa intransigente dos direitos dos seus membros“.
Quem representa este movimento?
Em resposta às questões enviadas, por escrito, pela VIVER SAUDÁVEL, o “Movimento pela Verdade” revela ser “constituído por um coletivo de membros efetivos da Ordem dos Nutricionistas que não se revê nas atuais políticas de gestão da Direção da referida Ordem“.
O grupo explica ter optado pelo anonimado, “uma vez que alguns dos membros exercem funções noutros órgãos, circunstância que aconselha reserva e discrição”.
“Neste momento, o nosso propósito não é a apresentação de uma candidatura às próximas eleições, embora não descartemos essa possibilidade no futuro”, refere o Movimento, quando questionado acerca da possível construção de bases para uma futura disputa eleitoral.
Em concordância, o que atualmente move este coletivo “é a defesa intransigente da transparência, legalidade, rigor e liberdade no seio da nossa Ordem profissional“.
O “Movimento pela Verdade” refere que, até à data, não obteve resposta por parte das entidades a quem dirigiu a carta aberta e clarifica que não irá criar outros canais de comunicação, nomeadamente nas redes sociais, uma vez que “não constituem o espaço adequado para a resolução de matérias de tamanha relevância institucional”.
Aceda à carta aberta do “Movimento pela Verdade” aqui.




