Traduzir a ciência em vida real: o papel transformador da nutrição 448

No seu 10.º aniversário, a VIVER SAUDÁVEL convidou 10 nutricionistas a avaliar uma década de Nutrição. O artigo de opinião que se segue é da autoria de Iara Rodrigues, CEO da Clínica Iara Rodrigues.

 

Para mim, falar de nutrição é falar de transformação. Uma viagem que começou ainda antes de 2008, quando terminei o curso, mas que nesse momento ganhou forma profissional. Lembro-me bem de como, nessa altura, a forma como a sociedade olhava para a alimentação era muito diferente da atual: falava-se pouco de literacia alimentar, os hábitos saudáveis ainda eram vistos como exceção e a informação circulava de forma muito mais formal e distante.

Naquele tempo não existiam redes sociais como hoje as conhecemos. A partilha de conhecimento fazia-se em consultas presenciais, em congressos, através de artigos científicos ou entrevistas ocasionais. Era uma comunicação com menos alcance e, muitas vezes, mais hierárquica: o nutricionista no papel de especialista e o paciente como recetor.

Sempre senti que a nutrição não devia ficar apenas nos livros ou nas consultas, mas chegar ao dia a dia das pessoas. Com o passar dos anos percebi que queria aproximar a nutrição da vida real, traduzi-la numa linguagem acessível e aplicável. Essa vontade levou-me a criar a minha clínica, onde, junto da minha equipa, me dedico a transformar a ciência em ferramentas práticas para melhorar a vida de quem nos procura. E, mais tarde, a abraçar também as redes sociais, onde encontrei uma comunidade de centenas de milhares de pessoas que diariamente partilham comigo dúvidas, conquistas e vontade de viver de forma mais saudável.

Nestes últimos 10 anos assistimos a uma verdadeira revolução: a nutrição deixou de estar restrita a gabinetes e tornou-se parte das conversas do dia a dia. A alimentação saudável entrou na rotina das famílias, ganhou espaço nas escolas, nas empresas e nas políticas públicas. Mas também enfrentámos novos desafios: a desinformação, os mitos alimentares e a banalização de conceitos que exigem rigor científico. Vivemos um tempo em que a comunicação sobre nutrição deixou de estar restrita aos especialistas e passou a estar nas mãos de todos – o que, sendo uma conquista no sentido da democratização da informação, também nos coloca a responsabilidade acrescida de sermos referências credíveis e consistentes.

A nossa profissão conquistou uma relevância inegável. Hoje os nutricionistas estão presentes em múltiplos contextos: hospitais, clínicas, autarquias, academias, restauração, desporto, investigação científica e, claro, nas plataformas digitais. Essa multiplicidade de papéis demonstra a riqueza da nossa área, mas também a necessidade de estarmos constantemente atualizados e preparados para responder a diferentes públicos e desafios.

Se olho para a próxima década, vejo dois grandes caminhos:

  1. Consolidar a literacia alimentar da população. Já conseguimos despertar a consciência coletiva, mas precisamos de aprofundar, educar e simplificar cada vez mais, para que a nutrição não seja apenas conhecimento, mas prática diária. Isso significa continuar a combater a desinformação, usando uma linguagem clara, acessível e útil.
  2. Integrar a nutrição numa visão holística de saúde e sustentabilidade. O futuro vai exigir que pensemos para além do prato: no impacto da alimentação na saúde mental, no ambiente, na economia e na longevidade. Teremos de trabalhar em conjunto com outras áreas da saúde e da ciência, porque o futuro da qualidade de vida será multidisciplinar.

Olhando para trás, sinto orgulho do caminho que percorremos enquanto classe e enquanto sociedade. Olhando para a frente, sinto sobretudo responsabilidade. Acredito que o papel dos nutricionistas será cada vez mais o de guiar, inspirar e traduzir a ciência em vida real. E, se há algo que aprendi ao longo destes anos, é que a nutrição é muito mais do que comer bem: é cuidar da saúde, do planeta e do futuro. Uma ferramenta poderosa de transformação individual e coletiva.

 

São 10 os artigos de opinião especiais que celebram o 10.º aniversário da Revista dos Nutricionistas. Aceda às reflexões já publicadas aqui