Por Filipa Nunes Matias, Engenheira Alimentar, Mestre em Qualidade Alimentar e Saúde do Laboratório de Química do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, e Tiago Figueiredo, Licenciado em Ciências da Nutrição.
Seguir uma dieta isenta de glúten vai muito além de uma escolha alimentar: é um fator determinante para a saúde e qualidade de vida de quem vive com doença celíaca, sensibilidade ao glúten ou alergia ao trigo.
A doença celíaca, em particular, é uma patologia autoimune caracterizada por uma reação inflamatória crónica que danifica a mucosa do intestino delgado e compromete a absorção de nutrientes essenciais, pelo que, a exclusão total do glúten da dieta continua a ser o único tratamento eficaz.
O mercado dos produtos isentos de glúten tem vindo a crescer de forma exponencial, impulsionado, não só, pelas necessidades das pessoas com diagnóstico clínico, mas também, pela perceção, entre muitos consumidores, sem qualquer patologia associada, de que os produtos sem glúten seriam opções mais saudáveis.
Será esta perceção correta?
Até que ponto estes produtos correspondem às expectativas, do consumidor em geral, em termos nutricionais e de segurança alimentar?
Em 2024, o Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge desenvolveu um estudo em que avaliou 223 produtos de panificação – pães; bolos, bolachas e biscoitos; tostas e snacks – comparando versões com e sem glúten, de várias marcas disponíveis em Superfícies Comerciais nacionais. Foram avaliados o perfil nutricional, através do algoritmo Nutri-Score, a utilização de aditivos alimentares, a conformidade dos rótulos com a legislação em vigor e o preço.
Os resultados deste estudo revelaram diferenças significativas entre os produtos de panificação com e sem glúten. Em média, as versões sem glúten apresentaram preços mais elevados, constituindo um encargo adicional para as famílias que deles dependem. Do ponto de vista nutricional, distinguiram-se por terem uma qualidade nutricional inferior e um menor teor proteico, reflexo da substituição do glúten por amidos refinados e farinhas alternativas com baixo valor proteico.
A categoria de pães sem glúten obteve a classificação Nutri-Score menos favorável, associada, sobretudo, a um maior teor de gordura. Em contrapartida, foi também nesta categoria que se registou um teor de fibra mais elevado, sugerindo um esforço da indústria em melhorar a sua qualidade nutricional, através da incorporação de ingredientes tais como leguminosas, pseudocereais e fibras vegetais.
Nas restantes categorias, as diferenças foram menos significativas, tendo-se mantido a tendência de menor teor proteico e custo mais elevado. É, ainda, de destacar que bolos, bolachas e biscoitos sem glúten apresentaram elevados teores de gordura. Relativamente a tostas e snacks observou-se um menor teor de açúcares, mas valores médios de sal superiores, relativamente aos seus equivalentes com glúten.
De forma transversal, a aplicação do Nutri-Score mostrou que, exceto nos pães (em que as versões com glúten tiveram melhor classificação), as restantes categorias, independentemente da presença de glúten, obtiveram classificações pouco favoráveis, confirmando que devem ser consumidas com moderação, dada a sua baixa qualidade nutricional.
Outro ponto relevante neste estudo foi a análise da utilização de Aditivos alimentares. Para compensar a ausência de glúten, responsável pelas propriedades viscoelásticas, a indústria, recorre, frequentemente, a espessantes, gomas e emulsionantes com a finalidade de melhorar a palatabilidade deste tipo de produtos.
A associação mais evidente foi observada na categoria tostas e snacks, em que os produtos sem glúten continham, em média, o dobro de aditivos face aos homólogos com glúten. Já bolos, bolachas e biscoitos, todos continham aditivos, independentemente da presença de glúten, sendo esta também a categoria com maior variedade de ingredientes utilizados. Embora permitidos pelas Entidades Reguladoras, o impacto do consumo cumulativo destes aditivos na saúde intestinal, sobretudo em indivíduos predispostos a doenças autoimunes, permanece pouco esclarecido, reforçando a necessidade de monitorização a longo prazo.
No que respeita à Segurança Alimentar, os resultados encontrados estavam conformes: todos os produtos analisados cumpriram o limite máximo estabelecido na Legislação para o teor de glúten, assegurando a conformidade da rotulagem e garantindo segurança ao Consumidor.
Em síntese, os produtos de panificação sem glúten, disponíveis no mercado português, revelam-se seguros para os consumidores que deles dependem, mas não apresentam, em geral, a mesma qualidade nutricional dos seus equivalentes com glúten. Para quem sofre de doença celíaca são indispensáveis, mas para a população em geral, não constituem, necessariamente, uma opção mais saudável.
Este Estudo evidencia a necessidade de promover uma maior diversidade alimentar e de incentivar a Indústria a desenvolver formulações mais equilibradas, com melhor perfil nutricional e custos mais acessíveis.
Para além disso, reforça a importância de uma leitura crítica dos rótulos e de escolhas conscientes e sustentáveis, de modo a evitar o consumo excessivo de produtos ultraprocessados.




