“Processar alimentos foi o que nos permitiu chegar aos níveis de saúde pública que temos” 1168

Garantir alimentação, saúde e bem-estar às pessoas foi o primeiro grande problema identificado por António Vicente, do Departamento de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, na conferência “Tempo para pensar o ciclo de vida de um alimento: como fazer chegar aos consumidores alimentos seguros, saudáveis e sustentáveis”, no XXIV Congresso de Nutrição e Alimentação da Associação Portuguesa de Nutrição.

O especialista abriu a sua intervenção enfatizando que o alimento do futuro terá de responder a múltiplas necessidades simultâneas. Entre os objetivos principais, constam: combater a desnutrição em todas as faixas etárias; reduzir a densidade calórica sem comprometer o valor nutricional; reduzir a digestibilidade dos alimentos; aumentar a biodisponibilidade dos micronutrientes; controlar a saúde intestinal; desenvolver a nutrição personalizada; desenvolver alimentação para a população idosa.

Para alcançar estes objetivos, o investigador distinguiu o peso da ciência e engenharia alimentar. Ao longo da conferência, insistiu que o processamento de alimentos sempre foi um pilar da evolução humana.

“Processar alimentos foi o que nos permitiu chegar aos níveis de saúde pública e de longevidade que temos hoje. Estar a meter na cabeça das pessoas que o processamento é mau, na minha opinião, é um erro brutal que estamos a cometer, ainda por cima com o alcance das redes sociais. O processamento não é o ‘patinho feio’, o ‘patinho feio’, eventualmente, seremos nós próprios que não temos cuidado com a boca”, indicou, implorando por “educação, educação, educação…”. A palavra foi repetida como um mote para o futuro.

Sustentabilidade alimentar: O nutricionista como mediador

“O processamento contribui significativamente para a segurança alimentar, aumenta a durabilidade dos alimentos e melhora o sabor e a textura. Permite criar uma maior variedade de produtos, atendendo às necessidades e preferências dos consumidores. Sem ele, não teríamos conseguido preservar alimentos perecíveis nem produzir opções mais estáveis e seguras”, patenteou.

Esta perspetiva histórica reforça que, além de prolongar a conservação, as técnicas modernas de processamento podem ajustar caraterísticas nutricionais e desenvolver novos formatos de consumo.

Abordagem multidisciplinar

O segundo grande problema identificado por António Vicente é a saúde do planeta, que pode (e deve) ser defendida com tecnologia e inovação. Para isso, listou um conjunto de ferramentas que já estão a moldar o futuro da indústria alimentar: biologia molecular; nanotecnologia; inteligência artificial, robôs e sensores; agricultura celular; fontes alternativas de proteína.

Estas inovações não são meras “tendências passageiras”, mas sim “soluções fundamentais” para conciliar a crescente procura mundial por alimentos com a urgência de minimizar o impacto ambiental.

A sessão destacou também o papel dos consumidores na transformação do sector. O interveniente revelou as principais tendências de consumo e escolhas mais saudáveis que marcam o mercado atual: clean claims; clean labels; estimuladores de estilo de vida; alimentos funcionais, com função nutracêutica; alimentos minimamente processados; e green foods – benefícios das plantas.

Qual o futuro da nutrição e do nutricionista?

António Vicente deixou uma série de mensagens finais, que sintetizam o espírito da conferência: “Há muitas oportunidades para trabalhar nesta área. Novas oportunidades surgem todos os dias, à medida que a ciência avança e as necessidades dos consumidores evoluem”. Uma abordagem interdisciplinar é “absolutamente crucial para o sucesso”.

Como tal, diferentes competências como a engenharia química e biológica, a bioquímica, a biofísica, a bioinformática, a medicina e a nutrição devem ser combinadas para “criar soluções inovadoras e duradouras”.

A moderadora Ana Maria Barata, coordenadora do Banco Português de Germoplasma Vegetal do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), pediu para que o diálogo entre investigadores, indústria e consumidores se intensifique, colocando em prática as ideias debatidas. Só assim será possível construir um futuro em que o alimento não seja só nutrição, mas também esperança e responsabilidade coletiva.

 

Parte de artigo publicado na edição #96 da revista VIVER SAUDÁVEL (julho-agosto, 2025).