One Health em ação: avançando na segurança alimentar através da análise microbiológica, sequenciação total do genoma e vigilância da resistência aos antimicrobianos 1305

Cristina Caiado Rocha, Mestre em Engenharia Alimentar, Pós-graduada em One Health, Técnica Superior do Laboratório de Microbiologia, Unidade de Referência, Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Porto

No mundo interligado de hoje, a abordagem One Health / “Uma só Saúde” tem-se revelado indispensável para salvaguardar a cadeia alimentar face às ameaças emergentes. Este modelo integrado reúne os setores da saúde humana, animal e ambiental, promovendo uma defesa robusta contra as doenças transmitidas por alimentos. Esta abordagem de caráter colaborativo e integrador contempla a prevenção e o controlo de doenças infeciosas, a vigilância epidemiológica, a saúde ambiental e a promoção da saúde em todas as suas vertentes.

O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, através dos seus Departamentos de Alimentação e Nutrição, de Doenças Infeciosas e de Epidemiologia, integrou já em 2018 um consórcio europeu com o principal objetivo de promover o conceito One Health.

À medida que os desafios globais se intensificam – quer se trate do aquecimento global ou da evolução dos agentes patogénicos – a análise microbiológica e a genómica de ponta, como a sequenciação total do genoma, assumem uma importância acrescida.

O último relatório da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (European Food Safety Authority – EFSA) em conjunto com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (European Centre for Disease Prevention and Control – ECDC) identificou como principais doenças transmitidas por alimentos, que mais impactam a saúde pública, a campilobacteriose e a salmonelose, seguidas de perto pela yersiniose, pelas infeções causadas por Escherichia coli produtora da toxina Shiga (STEC) e pela listeriose. Cada uma destas doenças, decorrente do consumo de alimentos contaminados, representa um fardo significativo para os sistemas de saúde em toda a Europa. Detetar a origem destas infeções de forma precoce permite que se implementem respostas rápidas, reduzindo o número de hospitalizações e fatalidades, e garantindo correções e/ou ações corretivas para que toda a cadeia alimentar se mantenha segura.

A sequenciação total do genoma (Whole Genome Sequencing – WGS), revolucionou a forma como os surtos são investigados. Ao analisar o plano genético completo dos agentes patogénicos, a WGS permite fazer uma correspondência precisa entre os isolados clínicos e os isolados da área alimentar, animal e ambiental. Este nível de precisão não só permite confirmar a origem de um surto, como também ajuda a monitorizar a sua eventual propagação. Quando os agentes patogénicos se ligam diretamente a isolados relacionados com fontes ou cadeias de distribuição específicas, os responsáveis pela saúde pública podem intervir com maior rapidez e eficácia, minimizando o impacto nos consumidores e as consequências económicas da possível retirada (caso ainda se encontrem sob o controlo imediato do operador do setor alimentar), ou recolha massiva de produtos alimentares (quando já se encontrem disponibilizados no mercado).

A segurança dos alimentos foi reforçada pelo disposto no Regulamento de Execução da Comissão Europeia (UE) 2025/179, promulgado a 31 de janeiro de 2025 e aplicável a partir de 23 de agosto de 2026. Este regulamento estabelece um quadro padronizado para a recolha e transmissão de dados analíticos moleculares durante as investigações epidemiológicas de surtos de origem alimentar. Obriga as Autoridades Competentes dos Estados-Membros a integrarem os dados resultantes da WGS nos seus sistemas de vigilância. Esta harmonização assegura que, face a surtos nacionais dispersos ou surtos envolvendo vários países, os dados estejam disponíveis e sejam partilhados de forma fluída entre Laboratórios, Autoridades de Saúde e de Segurança dos Alimentos, agilizando a identificação de clusters e a implementação de medidas de controlo mais eficazes, coordenadas entre as diferentes entidades envolvidas.

Outro aspeto crucial desta discussão é a resistência dos microrganismos aos antimicrobianos (Antimicrobial Resistance – AMR), um desafio intrinsecamente ligado à segurança dos alimentos. Na perspetiva One Health, a AMR não é considerada apenas um obstáculo clínico, mas sim uma questão intersectorial complexa. O uso excessivo de antibióticos, abriu caminho ao surgimento de estirpes resistentes. Estas estirpes, ao serem transmitidas através da cadeia alimentar, dificultam os tratamentos e aumentam os riscos para as populações – um problema que afeta não só a saúde humana e animal, mas também representa um risco significativo para a saúde pública dentro da abordagem One Health. Os sistemas de vigilância atuais – que combinam análises microbiológicas tradicionais com dados avançados da WGS, permitem uma monitorização mais eficaz de resistências a antimicrobianos. Este esforço integrador, não só contribui para fundamentar respostas eficazes quer em situação de surtos, quer na melhoria da gestão dos sistemas de segurança alimentar, como também na orientação de decisões políticas legislativas para que se atinjam níveis aceitáveis de proteção da população.

A convergência das técnicas microbiológicas culturais com as técnicas moleculares avançadas, da análise genómica e metagenómica e de um quadro regulatório unificado está a estabelecer as bases para uma oferta alimentar mais segura e resiliente. À medida que enfrentamos desafios decorrentes de doenças transmitidas por alimentos, todos os olhares estão voltados para a abordagem One Health. É através desta perspetiva que cientistas, especialistas em saúde pública e segurança alimentar, bem como decisores políticos estão a redefinir a segurança dos alimentos para o futuro, em que a deteção precoce, a resposta rápida e a vigilância proativa formam a pedra angular da proteção da saúde pública.