Artigo de opinião originalmente publicado na edição #97 da revista VIVER SAUDÁVEL. Por Ana Gabriela Cabilhas, Nutricionista do Ano em 2024 e deputada à Assembleia da República.
As eleições autárquicas estão à porta. O poder local é uma das grandes conquistas da nossa democracia. Está consolidado com largos anos de história nas câmaras municipais, nas juntas de freguesia e nas assembleias municipais. Sem os seus autarcas, Portugal estaria menos desenvolvido, menos coeso e as periferias entregues à sua sorte. Quando a administração central falha nas suas obrigações ou o Estado demora a chegar, é o poder local que está ao lado das suas gentes. Claro que há autarcas com mais visão do que outros. Uns com mais meios. Uns mais inovadores. Outros mais diligentes. Mas é por isso que a cada quatro anos a gestão municipal é julgada e o voto declara quem apresentou os melhores resultados. É a democracia a funcionar. E a democracia deu-nos homens e mulheres que deixaram uma marca própria nas comunidades que serviram.
A relação de proximidade é tão grande que os cidadãos conseguem perceber, cada vez melhor, quem transforma. E ainda bem! Não é suficiente mostrar “obra feita” – a obra física e fotografada, os edifícios, estradas ou rotundas. O betão por si só já não configura um bónus eleitoral. As pessoas exigem mais. Refiro-me à obra imaterial que reconhece os lugares como organismos vivos. O esforço dos autarcas não se pode limitar à construção de um pavilhão desportivo. Para que os investimentos se traduzam em ganhos reais, além das infraestruturas, é necessária uma política integrada que lhes dê vida.
Acresce o papel mais preponderante do poder local na área da saúde, como resultado da transferência de competências num quadro mais amplo de descentralização. Este poder não se pode esgotar na autoridade formal para atuar. Há que contar com o pacote financeiro adequado, a capacitação administrativa, o diagnóstico da população e a ciência para apoiar a tomada de decisão política, os profissionais de saúde com as competências técnicas, em número adequado e incorporados numa visão interdisciplinar, e a avaliação do impacto das competências descentralizadas para facilitar ajustes futuros. De forma coordenada e complementar ao SNS, as autarquias constituem-se parceiros estratégicos que podem dar um contributo decisivo para a mudança de paradigma – que tarda em ser concretizada – que aposta na promoção da saúde e na prevenção da doença. Bem sabemos que a saúde e o bem-estar fazem parte de um ecossistema vasto e complexo. Quem é que consegue influenciar mais os estilos de vida e o ambiente em que as pessoas crescem, vivem, estudam, trabalham e se relacionam do que um autarca? Quem é que conhece melhor as necessidades dos seus munícipes do que um autarca? A proximidade aos problemas torna o poder local imprescindível na proximidade às soluções.
O enquadramento legal permite aprofundar e robustecer o âmbito de atividade dos Nutricionistas, que pode ser catalisado pelo reconhecimento crescente das políticas alimentares e nutricionais em mais ganhos em saúde. Passaram-se 26 anos desde a integração do primeiro Nutricionista numa autarquia. Da gestão dos refeitórios escolares aos projetos de educação alimentar, as áreas de intervenção alargaram-se à ação social e solidariedade social e à defesa do consumidor, passando pela valorização da produção local e desenvolvimento sustentável, pelo turismo e pelo património gastronómico. A diversidade de atuação justifica-se em todas as idades, ao mesmo tempo que se procura responder ao enorme desafio do envelhecimento populacional, para que as pessoas vivam mais anos com mais qualidade de vida.
O período eleitoral é uma oportunidade para se perceber se a promoção da saúde e a prevenção da doença são uma prioridade local. Estaremos perante o novo betão? Construir comunidades felizes, saudáveis e produtivas é o novo cimento do futuro.




