A mais de 900 quilómetros da costa continental, a Região Autónoma da Madeira (RAM) dá cartas na política alimentar com o impulso da nutricionista Joana Silva. A implementação obrigatória do sal iodado nos alimentos produzidos para consumo humano é uma das conquistas mais recentes — e pioneiras — da ilha.
Aos 42 anos, esta madeirense de gema, nascida no Funchal, é mãe de duas meninas e não vive sem um bom livro ou boa música — de preferência marcada pelo rock e pelo grunge. Desportista desde sempre, divide-se atualmente entre o ginásio e a recente paixão pelo padel. Foi jogadora federada de badminton e assume hoje a vice-presidência da Associação de Badminton da Madeira.
Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, Joana Silva analisa o estado da saúde local e nacional, revisita os anos de experiência política regional e garante que o curso de Nutrição na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto foi uma das melhores decisões da sua vida.
VIVER SAUDÁVEL (VS) – O ano de 2024 foi particular para a Nutrição em Portugal. No espaço de três meses, duas nutricionistas foram eleitas deputadas – Ana Gabriela Cabilhas, na Assembleia da República, e Joana Silva, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. É tempo de trazer a Nutrição para o espaço público?
Joana Silva (JS) – Sim, não tenho dúvida de que o tempo da Nutrição chegou. Ainda mais certeza tenho de que o ganho de representatividade parlamentar poderá fazer a diferença em termos de políticas legislativas futuras nesta área, com um forte impacto na saúde pública das nossas populações.
VS – A instabilidade vivida pelo Governo Regional, caído ao fim de 11 meses, encurtou-lhe a primeira legislatura e valeu-lhe uma segunda eleição, em abril. Como olha para o cenário vivido pela ilha e qual a sua perspetiva para os próximos 4 anos?
JS – A instabilidade deveu-se essencialmente a uma representação parlamentar fragmentada, com partidos novos, sem histórico governativo e sem o comprometimento necessário para criar entendimentos. O caso da Madeira foi sintomático disso mesmo. Perante a oportunidade de aprovar o Orçamento Regional de 2025 e discutir-se depois a moção de censura, os partidos da oposição ao PSD fizeram o contrário e lançaram a Madeira na instabilidade política e governativa, que teve um impacto profundo no dia-a-dia das pessoas, das famílias e das empresas.
No entanto, os madeirenses souberam responder nas eleições seguintes e firmaram a maioria parlamentar do PSD e CDS, que irá permitir nos próximos 4 anos dar continuidade à política de estabilidade e crescimento económico que tem sido marca dos Governos PSD.
VS – A sua experiência institucional não é recente. Nos últimos 15 anos, foi vogal na Junta de Freguesia de Santo António, vereadora da Câmara Municipal do Funchal e assessora da Saúde e Proteção Civil do Governo Regional. Porque decidiu entrar na política e o que retira destas experiências?
JS – Sempre senti uma grande vontade em ajudar e dar o meu contributo para uma sociedade mais justa, mais plural e mais saudável. A entrada na política surgiu naturalmente e justamente pelo poder autárquico que é a representação política de maior proximidade à população e onde se veem efeitos quase imediatos nas decisões tomadas.
Na Junta de Freguesia, tinha os pelouros da Saúde, Juventude e Social e isso permitiu-me, juntamente com os meus colegas, desenvolver programas e políticas assertivas nessas matérias. Um programa com impacto foi o “Dar com Saber, Alimentar para Viver”, em que se formavam famílias que careciam de ajuda alimentar, em alimentação saudável, culinária e literacia financeira.
O início de funções de assessoria especializada no gabinete do Secretário Regional de Saúde e Proteção Civil permitiu trazer o know-how e a experiência acumulada nos cuidados de saúde primários e desenvolver o Geração Mais Saúde, que criou o apoio nutricional às mulheres grávidas e crianças até à primeira infância e o Programa para a Promoção de uma Gestação Saudável, que atribui de forma gratuita a suplementação alimentar em iodo e ácido fólico desde a fase de pré-conceção, gravidez e aleitamento materno a todas as grávidas da Madeira.
Mais recentemente, tive oportunidade de defender no Parlamento Regional o decreto legislativo regional “Medida de combate à carência de iodo”, que torna obrigatório a utilização de sal iodado nos alimentos para consumo humano com produção na RAM, o que representa uma medida pioneira de saúde pública no nosso País.
VS – De que forma tem procurado influenciar os seus colegas de partido e Governo para a importância da Nutrição e dos Nutricionistas?
JS – Julgo que os exemplos referidos anteriormente espelham esse trabalho de sensibilização e de alerta para as questões ligadas à nutrição e alimentação e o impacto que as políticas nestas áreas têm na saúde das populações. A Madeira foi e continua a primar pela sua visão estratégica na saúde e os seus decisores políticos têm conseguido perceber a importância que os Nutricionistas têm no Sistema Regional de Saúde, dotando os cuidados de saúde primários e hospitalares deste apoio essencial, bem como a nível das autarquias com as estratégias locais e municipais de alimentação saudável.
VS – Conhece bem o Continente, uma vez que se formou na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e foi aluna de mestrado na Escola Superior de Saúde Pública da Universidade de Lisboa. Em comparação, quais são as especificidades e desafios nutricionais da ilha da Madeira?
JS – A saúde apresenta desafios constantes decorrentes da maior longevidade da nossa população, da maior procura por cuidados de saúde, reflexo da demografia envelhecida e os preços que a nova tecnologia e dispositivos médicos acarretam e que complicam as contas e os orçamentos de quem tem de fazer a gestão das contas públicas e garantir que os cuidados de saúde chegam a todos os que precisam. A Madeira não foge a esta realidade global, no entanto, por ser um meio mais pequeno, permite agir de forma mais próxima e assertiva, controlando melhor o desenrolar de políticas e programas de saúde.
O desafio da obesidade e os custos associados, o combate aos défices nutricionais da nossa população serão aposta de futuro, bem como uma maior aposta na literacia alimentar e nutricional. A nutrição e a alimentação são a base da saúde de cada um de nós e das populações de forma global, e terá de ser esse o caminho se quisermos ter um sistema sustentável, que aposta na prevenção da doença e na promoção da saúde.
VS – Como olha para o estado do país, em particular no que diz respeito à Saúde?
JS – O País sofreu muito nos últimos anos com políticas que empobreceram o SNS, cujo orçamento aumentava, mas as suas verbas eram cativadas, que destratou os seus profissionais de saúde e levou à sua debandada para o sector privado e outras latitudes, que diabolizou as parcerias público-privadas e condenou os portugueses a uma prestação de cuidados de saúde deficitária e com sérios problemas de sustentabilidade. Tenho esperança que agora seja dada oportunidade e tempo aos novos protagonistas políticos nacionais de reverterem o quadro e voltarem a devolver a confiança dos portugueses no SNS.
VS – E como olha para o estado da sua profissão?
JS – A nutrição é uma profissão de futuro, que irá permitir trabalhar na tal sustentabilidade dos sistemas de saúde, de políticas públicas saudáveis e na robustez do combate às doenças e promoção de hábitos de vida saudáveis. Temos de trabalhar e reforçar esta visão, da profissão que é a base da saúde das populações, que ao prevenir o aparecimento das doenças, reduz custos, aumenta a qualidade de vida e os anos com saúde da população.
VS – Porque escolheu a Nutrição como área de formação?
JS – Eu sabia que queria trabalhar na área da ciência, da biologia e da saúde, mas as profissões clássicas como a medicina e a enfermagem não me entusiasmaram. A nutrição começava a ser falada e já com um foco muito firme na base da saúde das populações. O curso de Ciências da Nutrição e Alimentação na Universidade do Porto acabou por ser a minha primeira escolha e foi das melhores decisões que tomei até ao dia de hoje.
VS – Que mensagem quer deixar aos colegas nutricionistas?
JS – Que existe muito caminho para ser feito na nossa área de formação e de intervenção, que deve existir a união necessária e um espírito corporativista que nos permita ganhar projeção e diferenciação para a sensibilização da importância dos nutricionistas nos desafios futuros da saúde.




